Há quarenta anos era lançado um dos mais importantes álbuns já feitos, um marco na história da música. A obra em questão é “Imagine”, do ex-beatle John Lennon (1940 – 1980).
Em maio de 1971, num estúdio que Lennon construiu em sua casa, começavam as gravações do disco mais equilibrado, bem feito e bem sucedido do ex-beatle. Depois das confissões existenciais, temas difíceis do álbum anterior (Plastic Ono Band), o artista precisava de um sopro de utopia, uma pitada de esperança. É preciso levar em conta o contexto de Lennon na época: estava brigado com os companheiros da sua antiga banda The Beatles, estava começando uma nova vida nos EUA (onde conheceu muitos ativistas), não ouvia suas novas canções no rádio e assistia muitas guerras ao redor do mundo.
Tudo isso possibilitou que John Lennon (o primeiro “rockstar” a conversar com um chefe de estado) criasse um hino à fé do homem num mundo melhor, uma obra imortal, uma mensagem entendida por todos: a canção “Imagine”. Esta música, que se tornaria um hino pela paz, confronta as três das mais decisivas questões da humanidade: religião, nacionalismo e capitalismo. E gentilmente nos convida a encarar essas questões de forma neutra, imaginando que não há posses, religião, países, céu e inferno.
Com "Imagine", Lennon alcança em sua carreira solo um hit de prestígio. Indagado, Lennon iria preferir a crueza de canções como "Mother" e "God”. Ele comentaria em certa ocasião que a canção "Imagine" seria comparável a "Working Class Hero" com cobertura de chocolate por cima. "Foi a mensagem que eu aprendi. Se você quer que sua mensagem seja ouvida, jogue um pouco de açúcar nela".
Amor e política
Lançado em oito de outubro de 1971, o álbum conta com participações de alto calibre. Estão no disco figuras de peso, tais como o saxofonista King Curtis, o organista Nicky Hopkins, os bateristas Jim Gordon e Jim Keltner, Joey Molland (do Badfinger), Mike Pinder (do The Moody Blues), John Tout (do Renaissance), o guitarrista Ted Turner, Klaus Voormann, Alan White (do Yes) e um homem que dispensa apresentações, o ex-beatle George Harrison.
O disco aborda várias temáticas além da paz. Lennon reflete as guerras, as injustiças sociais, a ineficiência do sistema político e também faz lindas elegias a eterna musa Yoko Ono.
Em "Crippled Inside", Lennon olha sério para as nossas falhas, conclamando que embora tentemos todos esconde-las, no fundo, somos todos “aleijados por dentro”.
Já em “Jealous Guy”, ele aborda o ciúme, tema recorrente desde os tempos de Beatles. Ela versa sobre as dificuldades de se manter um relacionamento.
A política é a tônica das duas canções que fecham o Lado A, no caso, "It's So Hard" e "I Don't Want To Be A Soldier Mama”. Aqui, Lennon se mostra contra as guerras.
Na música "How do You Sleep", Lennon ataca o ex-parceiro Paul McCartney. Paul, em seu álbum "Ram", mandou uma espécie de "bilhetinho" para John em "Too Many People", o que o magoou profundamente. Nada muito sério, haja vista que Paul e John nunca foram realmente brigados.
Por seu turno, “Oh my love” e “Oh Yoko” apresentam um autor lírico, romântico. São elegias para a esposa Yoko. Belas canções.
“How?” poderia muita bem estar no confessional álbum anterior, pois Lennon contempla abertamente suas dúvidas pessoais e alguns traumas do passado.
Por fim, Lennon ataca com a politicamente incorreta "Gimme Some Truth". A letra demonstra uma forte influência do movimento americano contra a guerra do Vietnã.
Filosofia
“Uma vida não refletida não vale a pena ser vivida”. Como Sócrates, Lennon nos incita a pensar acerca do que tomamos como natural – nossas crenças, nosso patriotismo, nossa possessão – e, então, nos convida a imaginar uma mudança no nosso modo de pensar.
A filosofia de John Lennon foi a de um homem de classe operária que passou a enxergar o mundo pelo olhar artístico, um ser humano inteligentemente inquieto, o qual estava disposto a questionar tudo o que fosse possível sobre os fundamentos da sua vida e de sua sociedade. Embora Lennon fosse separado da sociedade por sua fortuna e fama mundial, e muitas vezes a tenha chocado por suas atitudes ofensivas, milhões de seres humanos se identificaram com este artista e com sua busca. Milhões de homens e mulheres estavam dispostos a deixar de lado as franquezas humanas de John e a ouvir sua mensagem pacifista, inquieta, humana e política.
(Texto publicado no Caderno Pensar, de A Gazeta, no dia 22/10, sábado)