O choque das idéias tropicalistas com a ditadura fez com que Caetano Veloso fosse para Londres em julho de 1969. Caetano tinha sido preso com Gilberto Gil,
Mesmo fora do país, Caetano e Gil continuaram a protestar e, de Londres, Caetano enviou artigos para o jornal “O Pasquim” e músicas para vários intérpretes, como Gal Costa, Maria Bethânia, Erasmo Carlos e Roberto Carlos. No exílio político, o compositor lançou “Caetano Veloso” (1971), disco triste com canções compostas em inglês (“London, London”, “Maria Bethânia”) e endereçadas aos que ficaram no Brasil. Já o álbum seguinte, “Transa”, representou seu retorno ao país. Caetano gravou o LP no final de 1971. Porém, a obra foi lançada em território brasileiro em janeiro de 1972, há exatos quarenta anos.
Pressão
Em 1971, o cantor conseguiu um visto de um mês para voltar ao Brasil e acompanhar os festejos dos 40 anos de casamento de seus pais. Ao chegar aqui, sofreu pressão dos militares para fazer uma música de louvor à Rodovia Transamazônica. O compositor recusou-se a atender o pedido, mas gostou do radical “trans”. Como o título sugere, o álbum é uma transa de linguagens e ritmos. Caetano funde inglês com português, rock com samba, baião e blues. Sobre o disco, Veloso declarou em uma entrevista ao Jornal do Brasil: "Chamei os amigos para gravar
Canções
A música que abre o disco é a bilíngüe "You Don't Know Me". Nesta canção, o cantor expõe sua solidão londrina. Destaque para as inúmeras referências musicais brasileiras. A primeira é "Maria Moita", de Carlos Lyra, e a segunda é "Reza", de Edu Lobo, Caetano também faz uma auto citação colocando um pedaço de "Saudosismo", cantada por Gal Costa, e finaliza com "Hora do adeus", de Luiz Gonzaga. Com desabafos em inglês, o compositor faz o prefácio ideal para o restante da obra. Na seqüência, temos “Nine out of ten”, que anuncia o poder do Reggae e que “a idade da música é passado”. Ao som do Reggae, Caetano anuncia: “I’m a alive” (estou vivo). Acerca da canção, o autor disse: “A minha melhor música em inglês. É histórica. É a primeira vez que uma música brasileira toca alguns compassos de reggae, uma vinheta no começo e no fim. Muito antes de John Lennon, de Mick Jagger e até de Paul McCartney. Eu e o Péricles Cavalcanti descobrimos o reggae
Na terceira faixa, intitulada "Triste Bahia", Caetano põe melodia nas duas primeiras estrofes do poema "À cidade da Bahia", de Gregório de Mattos e acrescenta alguns sambas de roda, cantigas de capoeira e afoxés. A composição tem instrumentação e arranjo fenomenais! Já a quarta canção, a balada “It’s a Long Way”, faz referência a diversas outras obras: “The Long and Winding Road”, dos Beatles, “Sodade, meu bem, Sodade”, de Zé do Norte, “A Lenda do Abaeté”, de Dorival Caymmi, e “Berimbau”, de Baden Powell e Vinícius de Moraes. Na faixa seguinte (único cover do álbum), “Mora na filosofia”, de Monsueto Menezes e Arnaldo Passos, Caetano transforma o ótimo samba num rock ‘n’ roll melhor ainda (“Pra que rimar amor e dor?”, diz um dos versos).
A existencial e experimental faixa de número seis, "Neolithic Man", conta com Gal Costa nos vocais e também mistura inglês com português. Embora soe com extrema brasilidade, Caetano mistura vários elementos musicais num clima psicodélico. Encerrando o disco, “Nostalgia” é um blues com a participação de Ângela Rô Rô, na gaita, e, como em diversas outras músicas do disco, Gal Costa.
Ademais, “Transa” é tão importante musicalmente (e politicamente) que foi eleito em uma lista da versão brasileira da revista “Rolling Stone” como o oitavo melhor disco brasileiro de todos os tempos e, nesse ano, alguns fãs lançaram na rede social Facebook a campanha "Queremos 'Transa’, do Caetano Veloso, ao vivo”.
(Texto publicado originalmente no Caderno Pensar, de A Gazeta, no dia 28 de janeiro de 2012).