Talvez tenha se tornado uma banalidade dizer que o sentido de uma obra de arte se produz aos poucos, mediante uma série infinita de discursos, protocolos, documentos.
Mas não será inútil repeti-lo agora, numa fase em que a produção brasileira afunda no silêncio logo depois de ser exposta. Não que o trabalho dos artistas tenha perdido vitalidade, depois da efervescência que caracterizou a década de 80 e que se sedimentou na ótima seção brasileira da Bienal de São Paulo de 1989. E que a partir justamente deste ano, 1989, desapareceram, quase que de uma vez só, todos os instrumentos com que a arte se difundia e se tornava história.
Quem trabalha nessa área sabe que, desde 1989, as galerias quase não imprimem mais catálogos, que a imprensa demonstrou um interesse cada vez menor pelo assunto, que a própria Bienal, que tradicionalmente funciona como catalisadora e amplificadora da produção recente, preferiu se distanciar em 1991 das tendências e dos valores em volta dos quais a arte ia se organizando, para basear-se apenas em critérios internos à própria Bienal.
A seleção que resultou, qualquer que seja o juízo sobre ela, não poderá ser tomada como exemplo do que concretamente aconteceu no meio artístico desses últimos anos. E possível que o começo da década de 90 seja lembrado como uma fase de transição, não pelo valor das obras, e sim por falta de documentação, por ausência de discurso.
Diante desse quadro, as poucas fotos apresentadas aqui constituem, sem dúvida, um gesto apenas simbólico. Contudo, achei que esse gesto poderia ter sua importância porque testemunha uma situação infelizmente atípica em época recente, em que artistas e instituição pública conseguiram manter um diálogo contínuo e de alto nível. Todas essas esculturas foram apresentadas ao público em exposições organizadas pelo Centro Cultural São Paulo a partir de 1990, na sua sede da Rua Vergueiro ou em outros espaços.
A escolha é totalmente pessoal e tem seu lado de arbitrariedade, já pelo fato de se limitar a um gênero, uma vez que as exposições também incluíam pinturas, gravuras e desenhos. Espero, porém, que dessas imagens resulte, pelo menos em esboço, o tom que caracterizou as exposições.
Alguns dos autores aqui representados definiram seu estilo nesses anos e a partir desse espaço, tanto que por eles poderia se falar, talvez, de uma geração Vergueiro: é o caso de Stela Barbieri, Sandra Tucci, Paulo e Eduardo Climachauska. Também Ernesto Neto é muito jovem, mas seu curriculum é um pouco mais extenso ? provém de uma experiência precedente, a da Funarte do Rio, que antes de 1989 desenvolveu um trabalho parecido com o atual do Vergueiro. Laura Vinci foi parte do grupo de pintores paulistas que um tempo atrás costumava chamar-se de matérico, e no Vergueiro pela primeira vez apresentou esculturas.
A obra de Cristiano Rennó participou da exposição Construção Selvagem, inteiramente projetada e organizada por um grupo de jovens artistas mineiros. Já Angelo Venosa e Ester Grinspum são autores mais experientes, que o Centro convidou, entre outros, para expor ao lado dos jovens.
Cada uma dessas obras exigiria uma avaliação crítica impossível de ser feita aqui. Observando-as uma atrás da outra, porém, duas coisas me parecem dignas de serem salientadas. A primeira é que elas não se assemelham umas às outras, revelando um leque de referências e de estilos bastante amplo e variado.
É uma arte que conhece a produção internacional, e também já possui uma tradição moderna própria. A segunda é que, mesmo não se assemelhando, essas obras dialogam entre si e se reconhecem. A maneira de se colocar no espaço revela, em todas elas, uma hesitação, um receio, às vezes lírico (Laura Vinci, Sandra Tucci), às vezes dramático (Stela Barbieri), às vezes irônico (Ernesto Neto, os Climachauska) ou francamente lúdico (Rennó). Talvez seja esta a forma com que a arte brasileira mais recente viva a ameaça de seu desaparecimento, e a ela reage, nem que seja apenas com um risco. Essa hesitação é o que a torna valiosa.
Lorenzo Mammi é crítico de arte e de música, e professor do departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (EGA) da USP.
Num país como nosso, considerando-se toda sua história e formação comprometida, onde poucos tem a chance de uma educação adequada, e quando a conseguem, deparam-se com um mercado cujas portas são abertas pelo já instituido sistema clientelista brasileiro.
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