BEATLES. 43 ANOS DE "LET IT BE".
Cultura

BEATLES. 43 ANOS DE "LET IT BE".



Em 8 de maio de 1970, os Beatles lançavam seu último disco, “Let it Be”. O projeto foi gravado em 1969, mas só foi lançado depois de “Abbey Road”

Let it Be – O fim anunciado.

Os Beatles não estavam satisfeitos com os rumos que a banda havia tomado desde a morte de Brian Epstein. O envolvimento com os negócios contribuiu para um desgaste emocional que abalou a amizade do grupo. 

O projeto “Get Back” foi a última tentativa de unir o grupo, que a essa altura, já não se entendia mais. Cada um vivia um momento particular muito intenso e a banda representava mais uma obrigação na vida deles. Foi nesse clima totalmente desordenado que Paul McCartney teve a ideia de um álbum que trouxesse os Beatles de volta, com o som vibrante dos velhos tempos.


“Get Back” seria uma referência à volta dos Beatles às suas origens, tocando o puro rock and roll, cru, sem recursos de overdubs ou efeitos de estúdio, como eles faziam nos primeiros anos. Além disso, o projeto seria filmado, começando pelos ensaios e sendo concluído com um show.

O resultado do filme não teve nada a ver com a ideia inicial. Ao invés de um documentário sobre o processo de criação de um disco de rock, o filme mostra a separação da maior banda do mundo; com seus integrantes completamente desinteressados e desmotivados. O show, feito de surpresa em cima do telhado da Apple, não foi aproveitado para o disco, devido à péssima qualidade de gravação. O resultado foi um projeto engavetado, só sendo retomado em 1970; quando concluíram algumas faixas e todas as fitas foram passadas ao produtor Phil Spector, que usou de sua “Parede de Som” para esconder a péssima qualidade das gravações. Este trabalho incluiu coros e orquestras adicionais, desagradando Paul McCartney, que desejava um disco mais “limpo”. A ideia do projeto havia sido completamente abandonada, por isso já não fazia mais sentido chamá-lo de “Get Back”, passando a se chamar “Let it Be”.

Apesar do sucesso do White Album, lançado em 1968, as gravações foram muito turbulentas. 

Os Beatles já não eram mais aqueles caras que se divertiamem estúdio. O grupo estava cada vez mais afastado e voltar a uma sessão de gravação não era vontade de nenhum deles. Ou melhor, praticamente nenhum deles! Paul McCartney ainda tentava manter o grupo unido e produzindo, apesar da falta de interesse e até mesmo da má vontade, em alguns momentos, por parte dos outros integrantes. Por tentar direcionar os projetos, definir os interesses e colocá-los em prática, Paul passou por “chato” e “mandão”, sendo chamado de “cri-cri” por John Lennon. Mas, na verdade, a banda estava precisando de alguém que ficasse à frente e tomasse as rédeas da situação, após a morte de Brian Epstein.

Pensando na união do grupo, Paul McCartney sugeriu um projeto de “volta às origens do rock”, com um repertório que resgatasse o som vibrante que havia ficado para trás. Por se tratar desta “volta”, o projeto foi chamado de “Get Back”, que também era o título de uma das canções compostas para o novo disco.
As sessões começaram em janeiro de 1969, no Twickenham Film Studios. Uma equipe de filmagens foi contratada para que todo o processo de criação do álbum fosse registrado. É possível perceber a falta de interesse de John, que odiava acordar cedo para ensaiar; o descontentamento de George, que se sentia afastado do grupo e sufocado pelo ego de Lennon e McCartney; o desânimo de Ringo, que não suportava aquele clima tenso entre a banda e 
Paul McCartney, que à sua maneira, tentava dar rumo ao projeto.

As sessões nos estúdios Twickenham não duraram muito. O ambiente frio parecia contribuir ainda mais para a desunião da banda. A presença permanente de Yoko ao lado de John irritava os outros integrantes e as discussões eram cada vez mais frequentes, pelos mais diversos motivos. O vídeo chega a mostrar uma discussão entre Paul e George, durante as sessões de “Two of Us”, onde Paul tenta corrigir algo que segundo ele, parecia não estar em sintonia. George se sente ofendido e diz: “Eu não me importo… Tocarei o que você quiser… Ou não tocarei, se você preferir. O que lhe agradar, eu farei!”. Depois disso, George saiu do grupo, mas voltou para concluir o projeto.

Após tantas discussões e pouquíssimo material pronto, as sessões foram transferidas para os estúdios da Apple, onde eles se sentiam melhor. George Harrison trouxe ainda o tecladista Billy Preston, para melhorar o clima entre a banda, como já havia feito no álbum anterior, quando chamou Eric Clapton para gravar “While My Guitar Gently Weeps”. Durante essas sessões, Paul McCartney era o mais interessado em definir logo o lugar para um show surpresa, onde eles apresentariam as novas canções. Por fim, surgiu a ideia, meio sem compromisso, de realizarem o concerto do alto do telhado da Apple. Todos concordaram e no dia 30 de janeiro de 1969, a banda surgiu inesperadamente no alto do prédio, tocando o novo repertório. Nem todas as canções foram executadas, porque a polícia foi chamada para interromper o barulho.
 


VOLTA AO PASSADO

Uma sessão de fotos foi feita, relembrando a capa do primeiro disco, “Please Please Me”. Os Beatles pousaram na mesma sacada, só que desta vez, mais velhos. Após isso, o projeto foi abandonado, devido à péssima qualidade das gravações e a banda só voltou a se reunir para as sessões do disco “Abbey Road”. O projeto “Get Back” era coisa do passado. A foto feita da sacada, pensando na capa do álbum de “volta às origens”, acabou sendo usada na coletânea lançada anos mais tarde, com sucessos entre 1967 e 1970.

Em janeiro de 1970, Paul, Ringo e George decidem trabalhar novamente no projeto. Concluem algumas gravações, acrescentam overdubs em outras, mas muito pouco podia ser feito com o material que já estava gravado. George Martin não quis se envolver na retomada do projeto, porque estava magoado com John Lennon, que havia criticado seu trabalho nos discos anteriores. Foi quando John decidiu chamar Phil Spector para analisar o material, na esperança de que o produtor pudesse fazer algum milagre com aquelas fitas mal gravadas.




Phil Spector era um produtor musical muito respeitado, conhecido principalmente pelo que chamavam de “Parede de Som” (“Wall of Sound”), formada por uma grande orquestra de instrumentos e vozes. Os Beatles confiaram a ele todo o material gravado e após dias de trabalho árduo em cima das fitas, ele apresentou o novo álbum, intitulado “Let it Be”. O disco misturava parte das sessões de 1969 com as novas gravações de 1970; trechos de conversas, canções não terminadas, etc. Mas o grande segredo da nova mixagem que salvou as gravações e permitiu que o disco fosse lançado, na verdade, foi a “parede de som”; que serviu para abafar as imperfeições das gravações originais.

John Lennon não se envolveu com o projeto nessa etapa de 1970. Na verdade, tudo que ele menos queria era saber de algo dos Beatles. Durante as sessões de “I Me Mine”, ele estava de férias e ao ser informado sobre gravações, disse apenas que não voltaria de viagem simplesmente por causa de uma gravação do George. Essa gravação foi uma das últimas a ser finalizada e podemos considerar que os Beatles já estavam separados.
Paul McCartney odiou o resultado final, principalmente porque uma de suas canções favoritas, “The Long and Winding Road”, recebeu um arranjo de cordas sem a sua aprovação. Mas, na situação em que as coisas estavam, muito pouco poderia ser feito. Paul só soube do lançamento quando recebeu o disco em sua casa, pelo correio.

Apesar de “cru”, o disco tem ótimos momentos e canções que sempre serão lembradas, ignorando o triste fim da maior banda do mundo.



FAIXA A FAIXA

Two of Us – (Lennon/McCartney)
Gravação: 31 de janeiro de 1969
Composição de Paul que abre o disco. É de John Lennon a frase inicial: “I Dig a Pygmy, by Charles Hawtrey and the Deaf Aids… Phase One, in which Doris gets her oats!” – Citando o ator e comediante britânico Charles Hawtrey.
A canção soa como uma despedida da parceria “Paul e John”. Eles dividem os vocais, como há muito não se ouvia. Paul toca violão e George toca o contra-baixo Fender de 6 cordas, apesar de aparecer tocando sua Telecaster no vídeo oficial da canção.

Dig A Pony – (Lennon/McCartney)
Gravação: 30 de janeiro de 1969
Composição de John que ainda tem uma versão alternativa, com algumas diferenças na letra e na introdução e que foi tocada no concerto do telhado. Billy Preston participa, tocando teclado. Apesar da ótima construção musical, John não gostava muito da canção.

Across the Universe – (Lennon/McCartney)
Gravação: 04 e 08 de fevereiro de 1968 e 01 de abril de 1970
Composição de John, lançada originalmente no ano anterior, na coletânea “No One’s Gonna Change Our World”, onde vários artistas participaram. Para o disco “Let it Be”, a canção foi remixada, alterando sua velocidade e seu instrumental. A versão lançada no ano anterior encontra-se na coletânea “Past Masters 2”.

I Me Mine – (Harrison)
Gravação: 03 de janeiro, 01 e 02 de abril de 1970
Composição de George subestimada por John. Foi a última canção a ser gravada, quando os Beatles já não existiam mais. John estava viajando e disse que não interromperia suas férias por causa de uma gravação de Harrison. A letra fala do egoísmo e do individualismo das pessoas, além de alfinetar a briga de egos do grupo. O título pode ser traduzido como “Eu sou mais eu”. Na mixagem final, a canção sofreu uma alteração que a deixou maior.

Dig It – (Lennon/McCartney/Harrison/Starr)
Gravação: 26 de janeiro de 1969
Uma “brincadeirinha” de estúdio deles, que acabou entrando no disco, para desespero de muitos fãs. A versão original, encontrada em vários bootlegs, continha por volta de 5 minutos, mas Phil Spector não era tão mau assim e editou para menos de 50 segundos… Ufa!

Let it Be – (Lennon/McCartney)
Gravação: 31 de janeiro, 30 de abril de 1969 e 04 de janeiro de 1970
Um dos maiores sucessos de Paul McCartney, lançado anteriormente em single, sob a produção de George Martin. A letra fala que naquele período de turbulência, sua mãe (que havia morrido de câncer, quando Paul ainda era criança) aparecia a ele em sonho, dizendo “deixe estar”. Uma canção otimista, apesar da fase difícil, vivida pelo grupo. John Lennon toca o contra-baixo Fender de 6 cordas e Paul toca piano. Phil Spector acrescentou alguns sopros e um novo solo de George Harrison. Além disso, a gravação da bateria também é outra, deixando a versão completamente diferente da que foi lançada em compacto.

Maggie Mae – (Lennon/McCartney/Harrison/Starr)
Gravação: 24 de janeiro de 1969
Mais uma faixa difícil de compreender. A canção tradicional de Liverpool foi creditada aos Beatles, já que eles fizeram os novos arranjos e a composição é de domínio público. Desde 1965, os Beatles não lançavam uma canção que não fosse de sua autoria.

I’ve Got A Feeling – (Lennon/McCartney)
Gravação: 30 de janeiro de 1969
Última parceria de John e Paul. Na verdade, trata-se da junção de uma composição de Paul (I’ve got a feeling… A feeling deep inside…) com uma de Lennon (Everybody had a hard year… Everybody had a good time…).

One After 909 – (Lennon/McCartney)
Gravação: 30 de janeiro de 1969
Composta em 1959 por Lennon & McCartney e nunca aproveitada! A canção chegou a fazer parte das sessões de 1963, como podemos ouvir no disco “The Beatles Anthology 1”; mas por algum motivo, ficou esquecida todo esse tempo.

The Long and Winding Road – (Lennon/McCartney)
Gravação: 31 de janeiro de 1969 e 01 de janeiro de 1970
Mais um clássico de Paul McCartney. A princípio, a canção seria uma balada simples, com piano, bateria, contra-baixo e órgão elétrico (tocado por Billy Preston); até Phil Spector incluir uma super orquestra e um coral, para desespero de Paul McCartney, que por anos remoeu essa mágoa. Apesar disso, a canção é uma das melhores do disco e está entre as mais belas gravações da banda.

For You Blue – (Harrison)
Gravação: 25 de janeiro de 1969
Composição de George, que canta e toca violão. Paul toca piano e John toca slide guitar. Existe ainda uma segunda versão, lançada no “Anthology 3”.

Get Back – (Lennon/McCartney)
Gravação: 27 de janeiro de 1969
Composição de Paul que já havia sido lançada em single. Para o disco, a canção foi editada, ficando menor. No final, Paul fala “Thanks, Mo”; agradecendo os aplausos de Maureen Cox, esposa do Ringo. John termina dizendo: “Eu gostaria de agradecer a todos, em nome do grupo e espero que tenhamos passado na audição!”




A CAPA

Na capa, os Beatles aparecem em fotos individuais, tiradas durante as sessões de gravação. Já estava claro que eles não suportaram nem mesmo uma última sessão de fotos juntos.
O álbum foi lançado na Inglaterra em 08 de maio de 1970 e sua primeira edição vinha em um box que trazia ainda um livro com várias fotos das sessões de gravação. O disco chegou ao topo das paradas em junho e permaneceu por 3 semanas. Let it Be recebeu ainda o Oscar como melhor trilha sonora original.

Algumas canções que fizeram parte das sessões “Get Back / Let it Be” foram lançadas em singles entre 1969 e 1970, como é o caso de “Don’t Let Me Down”, que foi o lado B do single com a outra versão de “Get Back”. Outras foram lançadas mais tarde, em suas carreiras individuais e algumas canções nem chegaram a ser lançadas oficialmente, mas vieram ao conhecimento dos fãs, através dos inúmeros bootlegs (discos piratas, contendo ensaios e outros materiais raros) que circulam entre os colecionadores.
Em 2003 foi lançado o disco “Let it Be… Naked”, produzido por George Martin a pedido de Paul McCartney, que nunca aceitou a mixagem do disco de 1970. O álbum trás as versões “nuas”, como o próprio nome sugere, sem as orquestras, overdubs e demais efeitos usados por Phil Spector no álbum anterior. Nesse relançamento foi incluída a canção “Don’t Let Me Down” e retiraram “Dig It” e “Maggie Mae”. O álbum trás ainda um disco extra, chamado “Fly on the Wall”, com conversas e jam sessions.




Entre os beatlemaníacos, as opiniões sobre Let it Bese dividem. Uns concordam com Paul McCartney e acham que as músicas sofreram alterações muito grandes, perdendo sua essência. Outros acham que Phil Spector fez o melhor possível para salvar as gravações e não se importam com o excesso de efeitos e overdubs.

Alguns anos após seu lançamento, John declarou em entrevista para a Playboy que Spector fez um excelente trabalho, tendo em vista o péssimo material que os Beatles tinham em mãos: “Demos a ele a pior quantidade de gravações ruins e ele foi capaz de fazer algo bom daquilo.”

Uma semana após o lançamento de Let it Be, Paul McCartney lançava seu primeiro disco solo, intitulado “McCartney”. Nele, Paul declarava que os Beatles não existiam mais e que não havia mais possibilidade de trabalharem juntos novamente. Era o fim, oficialmente anunciado. Embora previsto, é muito difícil para os fãs aceitarem a separação do grupo que mudou a cultura mundial. Pior ainda é ver que o fim aconteceu em uma situação como esta, com brigas, ofensas e rancores entre quatro amigos que sonhavam conquistar o mundo e só levaram mensagens de amor por onde passaram.

Let it Be pode não estar entre os melhores discos dos Beatles; o filme mostra claramente o descontentamento de cada um e a falta de administração, causada pela ausência de Brian Epstein. Estes e vários outros fatores resultaram em um álbum mal produzido e cercado de discussões; mas é o último suspiro de afeto deles para com os fãs e só isso já merece nossa gratidão eterna. O fã pode optar entre Let it Be (1970) ou Let it Be… Naked (2003). Pode achar que Phil Spector fez um mau trabalho ou pode considerá-lo um artista, por salvar algo bom no meio de tanta má vontade. O que interessa de verdade é que o disco nos presenteou, pela última vez, com algumas das mais belas canções, que serão lembradas por muitas gerações.



Fonte: Arcervo Pessoal e Edcarlos da Silva.



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