“TeARte” (Editora Scortecci, 110 páginas) é o 8º livro da escritora Josina Nunes Drumond, ou Jô Drumond, Doutora e Mestre em Literatura, membro da Academia Espírito-Santense de Letras e professora e tradutora juramentada de francês. Lançado originalmente em 2010 e permeado com 29 textos curtos, dentre contos e crônicas, “TeARte” é um livro marcado pela dualidade, a começar pelo título, uma brincadeira entre as palavras tear + arte, como explica a própria Jô, que, propositalmente, estampou na capa do livro um bordado de sua mãe, provando que a arte de tecer, de fato, passa de mãe para filha, aquela, com linha e agulha e esta, com imaginação e palavras.
“TeARte”, basicamente, trabalha com memória e quotidiano. Praticamente metade do livro é recheada das reminiscências da autora. Natural de Minas Gerais, numa localidade chamada Charneca, no sertão mineiro, Jô retrata o universo dos “causos” do interior. Coisas da época em que as pessoas moravam “na roça” e tinham tempo de sentar em volta de uma fogueira para prosear e até se dar o luxo de temer fantasmas, mulas sem cabeças, entidades que não fazem medo a criança alguma de hoje em dia! Destaque para os escritos “Dona Tunica”, em que a autora homenageia a mãe, “Xibiu, o contador de causos”, “Rosilho, o cavalo ladino” e o engraçadíssimo “Lazim e Cata-pagode”.
O quotidiano é, por seu turno e em sua maioria, retirado de fatos de jornais e revistas, numa linha mais urbana. Aí, a escritora demonstra, dentre outras qualidades, privilegiada imaginação, ao conseguir construir, a partir de documentos autênticos, textos ficcionais recheados com mais dualidade, seja com “A triste sina de Perpétua”, “O alpinista escalafobético”, “Janela indiscreta” ou “Severina Retirante”, texto um pouco mais longo, meio Clarice Lispector, meio folhetinesco, que abre possibilidades até para ser romanceado.
A linguagem em “TeARte” é um show à parte. Jô Drumond é uma daquelas felizes escritoras que conseguem transitar entre o erudito e o popular com total maestria. O cuidado com a compreensão, aliás, pontua o texto. As epígrafes em francês vêm com a respectiva tradução. Nos textos, os termos são explicados, como em “Briquitando com as palavras”, crônica memorialista em que ela relata a dualidade (mais uma vez!) entre a linguagem do sertão de Minas, de seu pai, com a da cidade, da autora.
Por falar em “briquitar com as palavras”, “TeARte” é pontuado, em sua maioria, por citações do mineiro Guimarães Rosa. Além de conterrâneo de Jô, Rosa é uma das paixões literárias da autora. Foi ele quem melhor descortinou a fala dos sertões mineiros, com termos como “briquitar” (pelejar), “estorvar” (incomodar), “chaleirar” (bajular) dentre outros. A identificação foi tamanha que a autora, além de se tornar uma das autoridades na obra Roseana, nos brindou com seu “TeARte”. A você leitor, resta, agora, o ofício de também “briquitar” com as palavras e deixar-se enredar na teia lexical de Jô Drumond.
(Texto de Anaximandro Amorim)