CAETANO VELOSO 70 ANOS: "TRANSA" CONTINUA ATUAL, 40 ANOS DEPOIS
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CAETANO VELOSO 70 ANOS: "TRANSA" CONTINUA ATUAL, 40 ANOS DEPOIS



O choque das idéias tropicalistas com a ditadura fez com que Caetano Veloso fosse para Londres em julho de 1969. Caetano tinha sido preso com Gilberto Gil, em São Paulo, no fim de 68. Ambos foram acusados de desrespeito ao Hino Nacional e à bandeira brasileira. Os músicos foram transferidos para o Rio e tiveram suas cabeças raspadas, sendo liberados após o carnaval de 69.

Mesmo fora do país, Caetano e Gil continuaram a protestar e, de Londres, Caetano enviou artigos para o jornal “O Pasquim” e músicas para vários intérpretes, como Gal Costa, Maria Bethânia, Erasmo Carlos e Roberto Carlos. No exílio político, o compositor lançou “Caetano Veloso (1971), disco triste com canções compostas em inglês (“London, London”, “Maria Bethânia”) e endereçadas aos que ficaram no Brasil. Já o álbum seguinte, “Transa, representou seu retorno ao país. Caetano gravou o LP no final de 1971. Porém, a obra foi lançada em território brasileiro em janeiro de 1972, há exatos quarenta anos.

Pressão

Em 1971, o cantor conseguiu um visto de um mês para voltar ao Brasil e acompanhar os festejos dos 40 anos de casamento de seus pais. Ao chegar aqui, sofreu pressão dos militares para fazer uma música de louvor à Rodovia Transamazônica. O compositor recusou-se a atender o pedido, mas gostou do radical “trans”. Como o título sugere, o álbum é uma transa de linguagens e ritmos. Caetano funde inglês com português, rock com samba, baião e blues. Sobre o disco, Veloso declarou em uma entrevista ao Jornal do Brasil: "Chamei os amigos para gravar em Londres. Os arranjos são de Jards Macalé (violão e guitarra), Tutti Moreno (bateria), Moacyr Albuquerque (baixo) e Áureo de Souza (percussão). Não saíram na ficha técnica e eu tive a maior briga com meu amigo que fez a capa. Como é que bota essa bobagem de dobra e desdobra, parece que vai fazer um abajur com a capa, e não bota a ficha técnica? Era importantíssimo. [...] Gosto do disco todo. Orgulho-me imensamente deste som que a gente tirou em grupo".

Canções

A música que abre o disco é a bilíngüe "You Don't Know Me". Nesta canção, o cantor expõe sua solidão londrina. Destaque para as inúmeras referências musicais brasileiras. A primeira é "Maria Moita", de Carlos Lyra, e a segunda é "Reza", de Edu Lobo, Caetano também faz uma auto citação colocando um pedaço de "Saudosismo", cantada por Gal Costa, e finaliza com "Hora do adeus", de Luiz Gonzaga. Com desabafos em inglês, o compositor faz o prefácio ideal para o restante da obra. Na seqüência, temos “Nine out of ten”, que anuncia o poder do Reggae e que “a idade da música é passado”. Ao som do Reggae, Caetano anuncia: “I’m a alive” (estou vivo). Acerca da canção, o autor disse: “A minha melhor música em inglês. É histórica. É a primeira vez que uma música brasileira toca alguns compassos de reggae, uma vinheta no começo e no fim. Muito antes de John Lennon, de Mick Jagger e até de Paul McCartney. Eu e o Péricles Cavalcanti descobrimos o reggae em Portobelo Road e me encantou logo. Bob Marley e The Wailers foram a melhor coisa dos anos 70”.

Na terceira faixa, intitulada "Triste Bahia", Caetano põe melodia nas duas primeiras estrofes do poema "À cidade da Bahia", de Gregório de Mattos e acrescenta alguns sambas de roda, cantigas de capoeira e afoxés. A composição tem instrumentação e arranjo fenomenais! Já a quarta canção, a balada “It’s a Long Way”, faz referência a diversas outras obras: “The Long and Winding Road”, dos Beatles, “Sodade, meu bem, Sodade”, de Zé do Norte, “A Lenda do Abaeté”, de Dorival Caymmi, e “Berimbau”, de Baden Powell e Vinícius de Moraes. Na faixa seguinte (único cover do álbum), “Mora na filosofia”, de Monsueto Menezes e Arnaldo Passos, Caetano transforma o ótimo samba num rock ‘n’ roll melhor ainda (“Pra que rimar amor e dor?”, diz um dos versos).

A existencial e experimental faixa de número seis, "Neolithic Man", conta com Gal Costa nos vocais e também mistura inglês com português. Embora soe com extrema brasilidade, Caetano mistura vários elementos musicais num clima psicodélico. Encerrando o disco, “Nostalgia” é um blues com a participação de Ângela Rô Rô, na gaita, e, como em diversas outras músicas do disco, Gal Costa.

Ademais, “Transa” é tão importante musicalmente (e politicamente) que foi eleito em uma lista da versão brasileira da revistaRolling Stone como o oitavo melhor disco brasileiro de todos os tempos e, nesse ano, alguns fãs lançaram na rede social Facebook a campanha "Queremos 'Transa’, do Caetano Veloso, ao vivo”.

(Texto de Ricardo Salvalaio publicado originalmente no Caderno Pensar, de A Gazeta, no dia 28 de janeiro de 2012).



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