Cultura
CONTO "MANUAL DA INSENSIBILIDADE", DE CLEIBSON FREITAS
Cleibson Freitas nasceu em 1985, no Espírito Santo, residindo sempre na cidade de Cariacica. Filhos de pais humildes, tornou-se um apaixonado e curioso pelo ser humano da vida comum. Graduado em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Espírito Santo, o escritor inicia sua carreira com a publicação de O óvulo e o ovo: tudo de novo. Nessa obra, Cleibson Freitas talvez comece seu primeiro e verdadeiro encontro com a arte. Como ele mesmo diz: “escrevo para ser livre. Ou melhor, brincar de ser livre, de ter prazer e brincar de ser Deus. Escrevo para me esconder do mundo e anular-me por completo. A literatura também serve para nos escondermos”. Confira, abaixo, o conto “Manual da insensibilidade”:
Manual da insensibilidade
Que o estado de melancolia, e, consequentemente, a angústia e o tormento provenientes dele, seja algo que perpassa todos, desde a criança até o adulto, isso é certo e incontestável! Surpreendente é o comportamento e a descrição de um ajudante de pedreiro acerca desta sensação. Após misturar três carrinhos de areia com um saco de cimento e três carrinhos de brita com três latas de água, o homem fez uma revelação extraordinária. Enquanto misturava os ingredientes do concreto e observava a massa de textura mole que em breve iria se tornar uma ligadura robusta e dura, ele disparou um verdadeiro absurdo poético para o pedreiro que monitorava todo o serviço ao seu redor:
– Sim, era o que nóis divia fazê, disse ele de repente, acabei di tê a ideia! Claro, era o que nóis divia fazê! Nóis divia sê pedra, monte ou gelêra! Cada um di nóis. É... Falo sobre o que nóis, os ser humano, divia sê! Nóis, cada indivídu, divia se transformá ni pedra, monte ou gelêra! Ou então nóis pudia sê nada. Isso, nóis pudia sê nada, dane-se! Nóis pudia não existi! Acho qui cê não tá intendeno nada do qui eu tô falano, né?! Mas escuta, carai: o que eu falo é qui nóis divia era construí uma pedra, uma pedra ni cada peito, ou um monte ou gelêra! Construí tudo isso pra indurecê os sentido, que são nada mais que uma ilusão da vida! Si nóis fizesse isso, tudo ficava resolvido, tudo! Tudo ficava resolvido e aí ninguém mais ia vê beleza na vida! Porque a beleza é isso pra mim, intende o que eu quero dizê, a beleza é praga da vida! Sem a beleza, meio caminho ficava andado, meio caminho! Então, é isso que eu acho, boa ideia a minha! Se nóis fizesse uma pedra, monte, gelêra ou um vazio nu peito, nóis ia sobrevivê! Nóis divia insisti nesse vazio; um vazio que só tivesse ódio... Só ódio... Só ódio e aí sim, só aí sim: só assim nóis se livraria de gostá de quem não gosta da gente...
– Acho que cê tá com algum problema – disse o pedreiro –, seja lá qual fô, e eu imagino que seja mulé, ou melhó, seja quenga, porque mulé é tudo quenga, esquece o problema e mistura essa masseira direito. Essa mistura não tá ficano boa.
“Tem razão: mulé é tudo quenga e nenhuma presta!”
– Tâmém não é assim! Porque a minha mãe é mulé e ela presta.
“Isto é por que cê tá veno sua mãe como uma Mãe. Si imaginasse ela apenas como mais uma mulé, uma mulé do seu pai, cê ia vê que ela é como as outra! Aí cê ia chegá a conclusão que nem sua mãe presta!”
– Ô imundíça, olha como fala, eu tomo essa enxada aí da sua mão e abro um buraco na sua cabeça, hein!
“Faz isso e é um favô que vai me fazê, hôme! Porque é só morreno pro sofrimento que carrego no peito escapuli de mim!”
– Deixa de bobage, sujeito! Se ocê tá sofreno por causa de mulé, pensa que há uma em cada esquina!
“Mas a que eu quero não tá lá, diabo!”
– Escuta só: mulé é igual pulítica, religião e futebol. Sobre essas coisa não se discute. Acho melhó ocê se concentrá nessa masseira aí. Essa massa tá ficano muito dura. Despeja mais água aí, cacete!
“Tá bom este tanto?”
– Coloca mais um pouco... Aí, tá bom!
“Mas é o que eu te disse: eu sou contra essa coisa de senti. Senti machuca, hôme! Senti sangra a alma. A dô da alma é pió do que um golpe de enxada na cabeça.”
– Cabra, cê já levô um golpe de enxada na cabeça? Então nu diz bobage, cacete! Essa dô aí que ocê reclama, todo mundo passa por ela.
“Cê já passô?”
– Já passei... Quem é que nunca passô?
“Como cê fez pra se curá dela?”
– Não tem cura. O que acontece é que a gente aprende a convivê com ela. Depois disso, ocê também aprende a domá os sentido. Aí nunca mais a gente cai nessa armadilha, entende? Ou se caí de novo, a gente cai com esperteza.
“Pois não sei se vô consegui convivê com essa dô e domá os meu sentido.”
– Ocê é um hôme ou é um rato, porra?
“Não sei mais quem eu sô. Talvez eu não sô Nada. Talvez eu nem sequé tô aqui
e nem ocê tá aí. Eu perdi a razão de Sê.”
– Ocê tem usado droga, hôme?
“Só se fô a droga do Senti, diabo.”
– Tô falano de droga química, satanás! Para de si fazê de bobo! Ocê tem usado droga química? Tô te perguntano isso porque ocê anda falano coisa aí sem sentido.
“Mas é isso mermo: é que o Senti não faz sentido...”
– Meu Deus que tá no céu! Sujeito, ocê pricisa dum médico urgente.
“Ocê acha?”
Pronta a masseira e a ausência do pedreiro, que tinha se retirado para amarrar uma ferragem noutro cômodo, o ajudante encorajou-se como ninguém e ingeriu meia lata de concreto ainda mole. Ao encontrá-lo estirado no chão logo depois, o pedreiro detectou uma grande pedra no seu peito. Exatamente como ele tinha desejado construir.
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Entrevista Com O Escritor Cleibson Freitas
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LicenÇa Para Contar: Cleibson Freitas
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LicenÇa Para Contar: Cleibson Freitas
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Um Dedo De Prosa: Entrevista Com O Escritor Cleibson Freitas
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