Cultura
CRÍTICA DO LIVRO 'O DOADOR DE MEMÓRIAS'
Livro de Lois Lowry que chegará aos cinemas nas próximas semanas é o próximo a ser analisado pela equipe do Outros 300. Será que vale a pena ler 'O Doador de Memórias'? E ver o filme, valerá? Confira abaixo.
Por Sandro Bahiense
Esperança de tempos melhores
Autora bebe na fonte de monstros sagrados como Huxley e Orwell
Ganhadora de vários prêmios, Lois Lowry contrói um mundo aparentemente ideal onde não existe dor, desigualdade, guerra nem qualquer tipo de conflito. Por outro lado, também não existe amor, desejo ou alegria genuína. Os habitantes da pequena comunidade, satisfeitos com suas vidas ordenadas, pacatas e estáveis, conhecem apenas o agora - o passado e todas as lembranças do antigo mundo foram apagados de suas mentes. Uma única pessoa é encarregada de ser o guardião dessas memórias, com o objetivo de proteger o povo do sofrimento e, ao mesmo tempo, ter a sabedoria necessária para orientar os dirigentes da sociedade em momentos difíceis.
Aos 12 anos, idade em que toda criança é designada à profissão que irá seguir, Jonas recebe a honra de se tornar o próximo guardião. Ele é avisado de que precisará passar por um treinamento difícil, que exigirá coragem, disciplina e muita força, mas não faz idéia de que seu mundo nunca mais será o mesmo. Orientado pelo velho Doador, Jonas descobre pouco a pouco o universo extraordinário que lhe fora roubado. Como uma névoa que vai se dissipando, a terrível realidade por trás daquela utopia começa a se revelar. Premiado com a Medalha John Newbery por sua significativa contribuição à literatura juvenil, este livro tem a rara virtude de contar uma história cheia de suspense, envolver os leitores no drama de seu personagem central e provocar profundas reflexões em pessoas de todas as idades.
Este foi o resumo entregue pela Editora Arqueiro para os resenhistas a respeito de 'O Doador de Memórias'. Quem conhece as obras 'Admirável Mundo Novo' e '1984' notou certa semelhança. Sim, Lois Lowry bebeu - e muito - na fonte dos escritores futuristas e tecnocistas Audous Huxley e George Orweel.
Daí surgiu 'O Doador de Memórias', um livro que fala de um futuro pessimista em que os humanos preferem estar torpes a viverem as agruras naturais a qual nossa existência infelizmente nos traz.
Se não há sofrimentos, também não há alegrias. Os humanos não são máquinas, mas se comportam como tal, afinal a razão sobressaí decisivamente sobre a emoção na maioria dos casos. Para manter tal regime, um estado forte e dominador impede firmemente quaisquer questionamentos acerca de sua prática, punindo com rigor possíveis desertores.
Dentro deste imbróglio surge Jonas, o jovem que fica com a honraria de ser o guardador destas memórias ditas proibidas. Ao ter contato com elas, o jovem se deslumbra e decide fugir a fim de transmitir ao máximo de pessoas possível a beleza de gozar de seu livre arbítrio emocional.
A capa do livro nos EUA. Bem menos pop adolescente
A Crítica
É impossível não remeter a Orwell e Huxley. Partiu dos dois geniais escritores do início do século passado a premissa de escrever sobre sociedades futuristas, de forma nada positiva. Enquanto o primeiro, em '1984', descreve a ação do governo que controla a tudo e a todos através da visão do "grande irmão", o segundo em 'Admirável Mundo Novo', tece uma sociedade criada em laboratório, onde todos tem, desde o nascimento, sua carreira e história de vida definidas.
Daí o que Lowry fez? Pegou a pitada de um, com um cadiquinho do outro e inseriu certas doses de romance aventuresco adolescente e voilà: Surgiu 'O Doador de Memórias', um romance extremamente agradável e inteligente que conta com várias bolas dentro.
A começar por trazer este tema ao universo juvenil. É importante que nossa molecada se apegue à força bélica e política a qual estamos (e poderemos estar ainda mais) sujeitos no nosso mundo. Vislumbrar o quanto estes podem ser decisivos nas nossas vidas é algo extremamente salutar e, acredito, também porá os nossos garotos e garotas a pensar.
A forma como o universo de Jonas antes e depois de se deparar com as verdadeiras sensações humanas foram muito bem elaboradas, com uma bela riqueza de detalhes que, infelizmente admito, é incomum nos livros para o público adolescente.
A trama linear ajuda e efetivamente nos faz torcer pelo protagonista. Jonas, aliás, também é muito bem descrito. Um herói que não sabe ao certo no que e em que está se metendo. A braveza quase involuntária do protagonista se desapega ao enjoada estereótipo que os últimos "heróis adolescentes" estavam sendo criados. Jonas não é uma Katniss Everdeen, mas também não é um Edward Cullen.
Mas como todo romance adolescente temos também alguns furos aqui e acolá. A iniciar pelo número pequeno de páginas (184). Percebeu-se nitidamente a vontade de se criar uma saga onde, entendo, não se fazia necessário, principalmente porque toda a trama poderia se desenrolar num só romance um pouco mais longo. E isso me preocupa, pois a tendência é que à medida que outros livros sejam lançados a criatividade diminua e qualidade caia.
Cena do filme. Livros precisam do endosso do cinema para ganhar credibilidade. Porquê?
Outro senão fica com o lançamento no Brasil já com a capa do filme baseado neste. Porque temos que nos ater à leituras que somente virarão filmes? Isso é algum tipo de endosso? Tomara que não, afinal os maiores clássicos já escritos na literatura mundial nunca tiveram boas adaptações para a telona, 'Admirável Mundo Novo' e '1984', por exemplo, que o digam.
Mas noves fora isso, 'O Doador de Memórias' é um bom livro, um romance leve, e um ótimo divertimento sub pensante. Desde já indico o livro (sem entusiasmos exagerados, que fique claro) e também o filme que promete ser um bom divertimento.
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