CRÔNICA DE DOMINGO: O SONO DOS JUSTOS‏
Cultura

CRÔNICA DE DOMINGO: O SONO DOS JUSTOS‏



Às vezes tenho mais facilidade em lembrar das palavras que não gosto do que daquelas que me agradam. O mesmo não acontece com comida, música ou pessoas, por exemplo, mas com as palavras... Tem umas muito indiferentes, mas eu tenho implicância... Não é a sonoridade, são as conexões. Tive uma implicância danada com palavras que achava pedantes ou “bestas”, por exemplo: elegância, sofisticado e moderno. Já notou que o “ser moderno” virou sinônimo de coisa velha? Já o adjetivo “atrevida” eu gosto, apesar de se enquadrar na descrição acima.

Conheci pessoas que morreram e palavras que perderam o sentido ou vice versa. Meu mundo é atual, mas utilizo muitas expressões em desuso, os novos habitantes morrem de rir. “Urucubaca, mandinga, esquenta e racha a moringa”, por exemplo, nunca mais vi ninguém falar, mas vivem pedindo pra tocar Raul. Gíria, jargão e outras expressões são coisas muito perecíveis. Tomar um toco, dar uma pala e levar um esbregue, por exemplo, são agora motivos de “zoação”.

Já reparou que quando um termo ou um assunto vira moda, embora não queira dizer nada, rapidamente aparecem vários especialistas para explicar o que é? Tem gente que adora explicar as coisas, especialmente aquelas que não têm explicação. Grilo Falante mesmo, na porta do cinema de Colatina, rodeado por dezenas de pessoas ávidas (cujo?) por entender o significado do filme “2001, uma odisséia no espaço”. Velho: Odisséia e Espaço, juntos?

Isso me fez lembrar da minha única experiência séria com a espiritualidade, as religiões são campeãs em reunir figuras sábias e explicativas, se é que você me entendem...

Era domingo na manhã do Dia dos Pais e eu havia combinado de ir almoçar com o meu velho. Houve uma reunião de membros, como muitas do gênero, intermináveis e tediosas. Eu tinha pouca paciência para as pessoas e era muito, mas muito mais crítico do que sou hoje. Ficava abismado porque os anos passavam e algumas pessoas levantavam sempre as mesmas questões e o problema é que eram do tipo “sexo dos anjos”, portanto, as respostas mudavam com o tempo porque, obviamente, não estava se falando de algo plausível, quem tivesse ouvidos que se virasse.

Era já meio dia e cacetada quando a pessoa que presidia a reunião desandou a discutir com o cunhado se a alma imortal morria ou não. Não lembro agora, mas acho que tentei dar um basta na discussão dando ideia de esperarmos passar a eternidade para ver morrer o Conde Drácula ou o Sarney e fui-me embora ruim da vida.

Do lado de fora meu amigo notou minha expressão aborrecida, falei que achava sacanagem abusarem do tempo da gente daquela maneira, afinal, ninguém era obrigado a ficar naquelas reuniões, mas ir embora pegava mal. Ele riu e disse que era coisa de meu ego.

- Então a culpa é minha agora? Você não viu que eles ficaram horas discutindo se a alma imortal morria ou não?

- Não vi... Deve ter sido numa daquelas horas em que eu cochilei...

(Texto de Juca Magalhães)



Juca Magalhães é músico, escritor e ex-integrante do grupo “Pó de Anjo”. É um dos mais requisitados mestre de cerimônias do Estado, com atuação em eventos públicos e privados. Autor do blog a “Letra Elektrônica” e textos publicados no Caderno Pensar, do Jornal A Gazeta. É autor dos livros “O Livro do Pó” e “Da Capo - De Volta às Origens da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo”. Magalhães também trabalha na divulgação e desenvolvimento de projetos voltados para educação e performance de música, sobretudo canto coral, clássica e popular.



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