Cultura
ENTREVISTA COM ARNALDO ANTUNES, QUE ESTE MÊS LANÇA UM NOVO ÁLBUM.
Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho nasceu há 53 anos em São Paulo. Arnaldo, o quarto de sete irmãos, com treze anos desenhava e fazia seus primeiros poemas. Dois anos depois, entrou no Colégio Equipe onde conheceu Branco Mello, Sérgio Britto, Paulo Miklos, Ciro Pessoa, Nando Reis e Marcelo Fromer, seus futuros parceiros do Titãs. É lá também que muita coisa interessante começa a acontecer...
O ano era 1975 e no Centro Cultural do Equipe, Serginho Groissman estava a frente da programação musical, apresentando shows de artistas como Nelson Cavaquinho, Cartola, Clementina de Jesus, Caetano Veloso, Gilberto Gil, entre outros. Dentre tantas coisas, Arnaldo realiza um super 8 de ficção, o Temporal e nos últimos anos, uma novela, Camaleão.
Depois veio o tempo da Faculdade de Letras, aliás, a palavra está completamente associada ao artista: “O que me leva a música é o anseio de entoar palavras, para ampliar suas camadas de sentidos”, afirma.
Bom, de lá pra cá, sua trajetória é impressionante!
Foram sete discos com os Titãs – de dez anos em que permaneceu no grupo, 13 discos seus, sem contar o projeto Pequeno Cidadão e o premiado Tribalistas, com os parceiros Marisa Monte e Carlinhos Brown, 4 participações em Trilhas Sonoras de filmes, 36 participações em discos de outros artistas, 21 livros publicados, sem contar as inúmeras caligrafias, artes plásticas, gráficas, digitais, instalações, poemas, performances e exposições.
Em comemoração aos seus trinta anos de carreira solo, lançou o “Acústico MTV” em 2012 e iniciou turnê que termina agora no final do ano. Fugindo de seus planos, acabou compondo e antecipou o lançamento de um novo trabalho inédito: Disco.
Para não interferir na turnê, decidiu gravar sem pressa. E ainda teve uma ideia: Por que não ir também mostrando o disco aos poucos, já que os meios de veiculação digital permitem, e até mesmo propiciam isso? Poderia ir tendo um retorno interativo do público durante a feitura do próprio trabalho. Uma situação inédita e tentadora. E assim, há 4 meses vem postando em seu site, uma faixa por mês.
Esse mês, finalmente o trabalho é lançado completo.
No último final de semana, Arnaldo cantou no Shopping Granja Vianna e concedeu umaa entrevista ao Jornal d’aqui, que você lê a seguir.
Jd´: Uma vez você afirmou que foi um intruso na música, que começou a pensar em música muito tempo depois de trabalhar com o verbal, com a poesia. Ainda é assim? Na criação de uma música geralmente a palavra vem antes da melodia? Ou cada caso é um caso?
Na verdade, já disse que me sinto meio intruso na música, pois o que me leva a ela é o anseio de entoar palavras, para ampliar suas camadas de sentidos. Sinto-me mais um cancionista — termo de Luiz Tatit, para designar quem compõe canções — do que propriamente um músico. Isso não quer dizer que a poesia tenha surgido antes da música. Na verdade, vieram meio juntas: na mesma época em que, ainda adolescente, comecei a me interessar mais por poesia e a escrever meus primeiros poemas, comecei também a ter aulas de violão, já com o desejo de compor. E os modos de criar canções são muitos — às vezes a letra vem antes, às vezes ela vem servir a uma melodia já definida, às vezes as duas coisas vêm juntas.
Jd´: Você tinha planos de lançar um trabalho inédito apenas no ano que vem. O que o fez mudar os planos?
Eu pretendia gravar um novo disco de inéditas apenas em 2014, e prosseguir apenas com os shows do Acústico MTV até o final desse ano. Mas, nas férias de janeiro acabei compondo várias canções (algumas sozinho, outras em parceria com Marisa Monte e Dadi), que me entusiasmaram a entrar logo em estúdio. Essas canções acabaram se tornando o eixo desse novo Disco, junto a outras mais antigas, que acabei resgatando.
Jd´: O processo desse novo trabalho foi completamente diferente dos outros, não? Conte um pouco.
Como não quis interromper a turnê, que estava me dando uma grande satisfação, pensei em ir gravando aos poucos, nos dias vagos entre os shows, em um período mais largo do que costumo. Então pensei: Por que não ir mostrando uma parte desse resultado, ainda durante o processo de feitura, uma vez que, hoje em dia, a internet permite isso? E fomos gravando desse jeito, finalizando algumas canções e lançando-as como singles, uma por mês, desde junho. Já foram quatro: Muito Muito Pouco, Dizem (Quem me Dera), Ela é Tarja Preta e Vá Trabalhar. Mas, nos últimos meses, acabei tendo que fazer um intensivo no estúdio com os músicos, para finalizar o disco todo, que sai agora em outubro.
Jd´: Como você percebe essa nova maneira de se relacionar e comercializar um trabalho artístico com compartilhamento na internet? O artista ganha com essa troca, no seu ponto de vista?
Por um lado, ficou mais fácil divulgar os trabalhos hoje em dia. Por outro, a vendagem dos discos é muito menor. Por um lado, os artistas têm mais liberdade para lançar faixas soltas, sem a necessidade de ter um conjunto de canções para serem mostradas juntas, no formato de um disco. Ao mesmo tempo, o fato da maioria das pessoas escutarem mais músicas soltas do que álbuns inteiros, dá um pouco de pena, pois perde-se um lado conceitual e ritualístico dessa relação. Entre vantagens e desvantagens, estamos vivendo uma realidade de muitas transformações, que estão sendo assimiladas aos poucos. Mas o que interessa mesmo é a manutenção da música em nossas vidas, pelos meios que houver.
Jd´: Observando sua trajetória, a arte e sua vida pessoal sempre estiveram entrelaçadas. Família, amigos e nos últimos tempos, filhos sempre estiveram presentes nos seus trabalhos. Os anseios artísticos sempre estiveram costurados na sua vida? Quero dizer, a sua vida e as pessoas ao redor, é que direcionam seus trabalhos?
Sempre vi a manifestação artística como parte da vida, não como uma representação dela. É natural, portanto, que os afetos se integrem naturalmente à criação. Ainda mais no território da música, que é uma linguagem coletiva, que se faz com muitos parceiros, que se toca com outros músicos, que se apresenta para grandes públicos. Isso não quer dizer que a vida direcione os trabalhos, pois ambos estão mutuamente ligados. Quando faço uma música, não estou pensando em como ela será ouvida, cantada ou aceita pelos outros, mas já tenho incorporado o fato de que ela o será.
Jd´: Na época do Titãs vários ensaios eram realizados na Granja, não? Você conhece bem a região?
Sim, chegamos a alugar uma casa na Granja para gravarmos um disco. Foi o Tudo Ao Mesmo Tempo Agora, de 1991. Na época, o Marcelo Fromer morava lá e nos deu essa ideia. Vimos várias casas antes de escolher a mais adequada. Montamos uma unidade móvel de gravação e ficamos uns dois meses fazendo esse disco lá. Foi uma experiência nova, pois até então só havíamos gravado em estúdios. E foi um processo muito tranquilo e prazeroso .
Jd´: Embora tua permanência no grupo tenha sido de dez anos, teu vínculo com o grupo é muito grande. Até porque as composições e a relação com os integrantes sempre estiveram além desse tempo em que esteve no Titãs. O que você traz dessa época até hoje? Sente saudade do quê? O que sentiu ao ver o documentário sobre o grupo (A Vida até parece uma festa)?
Os Titãs foram para mim uma espécie de escola. Junto com eles aprendi a compor em parceria, a tocar junto, conceber arranjos, atuar sobre um palco e tudo mais. Continuamos amigos e ainda nos encontramos às vezes para fazer música. Participei recentemente de dois shows comemorativos dos 30 anos da banda, deu pra matar as saudades.
O filme é um barato, muito bem editado. Acho que o grande mérito dele é contar tão bem a história da banda só com uma colagem das cenas de cada época, sem ter ninguém narrando ou explicando nada.
Jd´: Vários músicos e parceiros em composições permanecem nesses anos todos. Como Paulo Tatit, Edgard Scandurra, ou mesmo Marisa Monte, Carlinhos Brown. Como acontecem as composições? Um chama o outro? Vocês se encontram para compor ou compõem porque se encontram?
Às vezes nos chamamos, ou nos encontramos, ou fazemos coisas por email, ou mesmo por telefone... É tão natural que eu nem sei dizer ao certo como esses encontros se dão. Creio que, quando há afinidade e amizade, como nos casos dos parceiros que você citou, as coisas se dão espontaneamente, com muita facilidade. Um joga uma fagulha que o outro pega e transforma em chama, e aí vai...
Jd´: Já no início dos anos 90 você estava envolvido com arte gráfica. Teu envolvimento com performances é muito anterior. Tua obra, de certa forma está muito ligada a uma arte de vanguarda. Teu interesse é buscar algo novo ou uma linguagem que una poesia, música, vídeo, enfim, o que quero dizer: tua arte é mais intuitiva ou parte de uma busca mais racional? Existe algo que sempre esteve presente de uma forma ou de outra em toda a sua trajetória artística?
Não me sinto muito especializado, acabo criando por diferentes meios. Mas creio que há um terreno comum a tudo que faço que é o envolvimento com a palavra, ou com a significação poética. Seja em canções, livros, videos, performances ou objetos visuais. Muitas vezes algumas dessas linguagens se cruzam em resultados híbridos.
Acho que há um tanto de intuição, um tanto de emoção e um tanto de racionalidade no meu processo criativo. Essas categorias acabam se misturando. Ou, às vezes, elas definem etapas diferentes na criação, por exemplo: posso deixar fluir a expressão escrevendo páginas e páginas, para depois lapidá-la numa espécie de corpo a corpo com a linguagem, em que edito partes, subtraio o que está sobrando, substituo termos por outros, desenvolvo outras ideias que acabam se revelando, etc.
Jd´: Como surgiu o trabalho com o músico maliense Toumani Diabaté? Conte um pouco? Existe a possibilidade de alguma continuidade do trabalho?
Eu já tinha o projeto de fazer um disco com o Edgard Scandurra, meu parceiro de muitos anos. A gente vinha compondo coisas para esse disco. Aí aconteceu de sermos convidados para dividir um show com o Toumani no Festival Back2Black, no Rio de Janeiro, em 2010. Nós ficamos encantados com o som da kora e com a musicalidade dele. E rolou uma sintonia mágica entre nós. Já no primeiro ensaio ele nos disse: Vocês precisam ir ao Mali pra gravarmos juntos. Aí nos animamos em realizar esse disco com ele; acabou virando um trio. E foi uma experiência muito rica ir pra lá, conviver com a música, a cultura, as pessoas, o clima, as comidas. Um tanto desse encontro está registrado no DVD A Curva da Cintura, dirigido pela Dora Jobim, que nos acompanhou na viagem. E eu adoro o resultado do disco que fizemos, acho diferente de tudo.
Jd´: Você esteve ligado ao Manifesto Floresta Faz a Diferença. A preocupação com o meio ambiente, o futuro das florestas e a maneira que vivemos em relação à manutenção do planeta é uma questão importante para você?
Acho inevitável que venha a ser uma questão importante para qualquer pessoa, pois compartilhamos o mesmo planeta. Mas é uma consciência que vem surgindo aos poucos, na medida em que todos vão sendo afetados pelos problemas decorrentes da degeneração ambiental, dos efeitos do consumo desenfreado, do desperdício e da miséria — o que tem de muito e o que tem de muito pouco.
Jd´: Acha que as manifestações nas ruas do Brasil são indício de alguma mudança no cenário político e social?
Espero que sim, que o eco do que vem se manifestando nas ruas possa efetivamente transformar um pouco da nossa realidade sócio-política, tão degradada.
Jd´: Você tem quatro filhos. O que de mais enriquecedor aprendeu com eles?
Estou sempre aprendendo com eles, a cada idade de um jeito diferente. Principalmente a ver o mundo com olhos virgens e livres.
Jd´: O Pequeno Cidadão foi um sucesso imenso! O repertório foi criado organicamente? Vocês lançaram o segundo CD, vai ter turnê?
Participei do primeiro CD e da turnê. É um projeto que surgiu espontaneamente, pelo fato de nós quatro (eu, Edgard, Taciana e Antonio) sermos músicos e pais, e já termos um repertório informal de músicas que fazemos para nossos filhos. Foi um grande barato também porque pudemos ter a participação deles nas gravações e nos shows. E é uma delícia fazer coisa pra criança, é um público muito vibrante e participativo. Mas não pude continuar no grupo, por ter muitos outros projetos e pouco tempo para realizá-los. O Pequeno Cidadão lançou agora um segundo disco, no qual eu fiz apenas uma participação especial, numa das faixas, com meu filho Tomé.
Jd´: As parcerias com artistas como Fernando Catatau, Curumim, Jeneci, Nação Zumbi, são cada vez mais frequentes. Tem muita influência desses músicos nas suas últimas composições?
Sem dúvida, admiro o trabalho deles, assim como o de outros artistas da nova geração, como o Leo Cavalcanti, a Tulipa Ruiz, a Karina Buhr e muitos outros. E me sinto à vontade compartilhando trabalhos com eles, pois é uma troca genuína.
Jd´: O que te deixa feliz?
Qualquer coisa que me transforme.
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