“Caim” é o último livro de autoria do laureado com o Nobel de Literatura José Saramago, e é outro de seus trabalhos que abordam a Bíblia. Saramago, devido a sua origem portuguesa e toda a influência cultural exercida pelo catolicismo em tal contexto, sentia a necessidade de abordar a Bíblia no seu trabalho de escritor.
Em “Caim”, a interpretação bíblica do autor José Saramago é irreverente, irônica e mordaz, e não teme que os católicos voltem a crucificá-lo. Quando o publicou, o livro suscitou polêmicas e recebeu fortes críticas, sendo desencadeadas, nas palavras de Saramago, "a mando da Igreja Católica e com a execução dos seus homens de mão (servos), ou jornalistas de mão, ou outros que se guiam por interesses pessoais ou rancores pessoais". Saramago classificou tal "polêmica" como "uma espécie de fartar-vilanagem", dizendo que ela nem sequer lhe "tocou a pele" e que resistiria "a todas as canalhadas que se façam à volta do livro" e de sua figura.
Disse, Saramago: "[A crítica principal] é que não deveria ter feito uma literatura literal em lugar de simbólica", mas que "o problema é que as visões simbólicas são muitas", sendo, na verdade, as críticas por ele não ter feito uma "interpretação simbólica", críticas por ele não ter interpretado a Bíblia em conformidade com a interpretação católica. E, considerando o dito por Inês Pedrosa, de que "numa sociedade laica e livre ninguém tem que se fixar às leituras alheias", Saramago interpretou a Bíblia de acordo com as suas convicções. Segundo católicos que se manifestaram na mídia, “Caim e Abel simbolizam a disputa de irmãos pela primazia, pelo amor do Pai. É o amor de Deus que ambos tentam conquistar". Mas é justamente esse tipo de simbolismo que Saramago considera repugnante, gerador de exclusão, intolerância, perseguição e guerras ("santas") religiosas, e ao qual ele dá uma interpretação em seu livro com um olhar irônico.
Na obra “Caim”, Saramago exercita a sua liberdade de expressão escrevendo um livro que aponta deus como "autor intelectual do crime, ao desprezar o sacrifício que Caim havia lhe oferecido".
Mas de que deus (sempre escrito com minúsculas no livro) Saramago está a falar?
No livro, Saramago revela: “O amor possível escrito por Juan Arias, Saramago, em uma conversa com o autor de tal livro, disse: "Do meu ponto de vista há apenas um lugar onde existe deus, ou o diabo, ou o bem e o mal, que é na minha cabeça. Fora da minha cabeça, fora da cabeça do homem não há nada". Já em entrevistas dadas na época do lançamento de “Caim”, Saramago voltou a dar uma declaração no mesmo sentido: "Deus, o demônio, o bem, o mal, tudo isso está em nossa cabeça, não no céu ou no inferno, que também inventamos. Não nos damos conta de que, tendo inventado deus, imediatamente nos tornamos seus escravos".
Assim, conforme dito por Juan Arias, o "homem e apenas o homem é, definitivamente, o deus de Saramago — o homem vítima dos poderes tirânicos, o homem humilhado pela religião, o homem escravo de seus mitos, começando pelo mito de Caim e Abel que Saramago converte num jogo literário".
E é por isso que, parafraseando o dito de Saramago, de que "o Deus da Bíblia é rancoroso, vingativo e má pessoa. O Deus da Bíblia não é de fiar", Pilar del Río disse que "o género humano não é de fiar". Disse ainda depois Saramago que "Criamos um Deus à nossa imagem e semelhança (…) e por isso ele é tão cruel, porque nós somos cruéis"