LICENÇA CRÔNICA: ANTONIO ROCHA NETO
Cultura

LICENÇA CRÔNICA: ANTONIO ROCHA NETO



Antonio Rocha Neto é economista, cronista, filósofo e membro da Academia de Letras Humberto de Campos (Vila Velha). Confira, abaixo, a crônica “A consulta":

A CONSULTA

- Bom dia, senhor. A sua consulta é particular ou o senhor tem algum plano?

- Eu quero uma consulta particular, sim senhora, só eu e o doutor.

- É claro que a consulta do senhor será individual. O que eu estou perguntando é se o senhor tem algum plano.

- Ah bem! Tenho sim senhora. Meu plano é sentar aí neste sofazinho e esperar a minha vez de entrar.

- Plano de saúde, meu senhor, eu quero saber qual é o seu plano de saúde, se é que o senhor tem algum!

- Pois então anote aí. O meu plano de saúde é o seguinte: eu não bebo, não fumo, não durmo tarde e acordo cedo e evito comer fritura em excesso. Mas porque a senhora tá interessada no meu plano de saúde? Tá me achando em tão boa forma assim?

- Bom, eu desisto. O preço da consulta é R$ 120,00. O senhor vai pagar em dinheiro ou em cheque?

- Como assim, dona? Eu tenho a carteirinha da PLAMED, que a minha empresa paga. Olha aqui ela.

- O senhor me desculpe, eu me “esqueci” de perguntar. Me empresta a carteirinha, por favor.

- A senhora me desculpe, mas eu não posso emprestar não. Ela é individual, tem o nome do usuário.

- Meu senhor, tenha a santa paciência! Me dá essa carteirinha aqui pra eu anotar os seus dados!

- Calma minha senhora, não carece de se inervar à toa não. Toma aí a carteirinha!

- O senhor é o titular?

- Eu era. Agora é o Rogerinho.

- Como assim, que Rogerinho?

- O Tavares, da Tesouraria. Ele tá jogando um bolão de uns tempos pra cá, e pegou a minha posição.

Vencida, a secretária limitou-se a pedir a ele que aguardasse sua vez.

Após esperar alguns minutos, o “plano” do nosso amigo funciona, e ele é convidado a entrar no consultório.

- Bom dia. Posso saber o que trouxe o senhor aqui?

- Bom, até a Praça Onze eu vim de ônibus. De lá pra cá eu peguei o metrô.

- Não, não. Não é isso que eu estou perguntando. O que eu quero saber é por que motivo o senhor veio ao meu consultório.

- Ora, porque foi hoje, às 16 hs, que a secretária marcou a minha consulta. Ou hoje não é dia 18?

- Bom, deixa isso pra lá. Vamos ao que interessa: o senhor é hipertenso?

- Não senhor, sou católico.

- Certo, certo. Eu também sou. Mas o senhor tem problema de pressão?

- Já tive, sim senhor, mas troquei a borracha da panela e o problema sumiu.

Após medir a pressão do camarada o médico prossegue:

- Sua pressão está 12 por 8. Normal. O que o levou a procurar um cardiologista?

- Uê, mas eu pensei que o senhor fosse médico de coração!

- E sou. Cardiologista é médico de coração. O que eu quero saber é como está o seu coração. Tem sentido alguma dor no peito, ultimamente?

- Tenho sim, doutor. Mas se o senhor não se importa eu preferia nem falar desse assunto não, não sabe. Pois desde que a Mercedes me largou meu coração ficou em frangalhos, meu peito parece que vai explodir. Foi um golpe muito violento mesmo. O senhor não imagina ....

- Peraí, meu senhor, peraí. Eu estou me referindo a dor física, e não sentimental.

- Ah, tá. Isso eu nunca tive não senhor, graças a Deus.

- Alguém na família tem quadro de doença cardíaca?

- Isso aí eu não sei dizer não, mas se tem é a minha irmã mais velha. A casa dela é quadro pra tudo quanto é parede.

- Alguém na sua família já morreu de problema de coração?

- Nunca. Do lado do meu pai, que Deus o tenha, o pessoal costuma morrer mais é de enfarte. Ele mesmo, coitado, morreu assim, com menos de 50 anos. Já pelo lado da mamãe o que mata mais é atropelamento. É que vovó mora perto da Dutra.

- Enfarte do lado paterno, certo. O senhor é alérgico?

- Não, não, sou paulista, de Pindamonhangaba, num dá pra perceber pelo sotaque?

- Até que dá sim, mas quando o senhor era pequeno, lá em Pinda, tinha alguma coisa que o senhor comesse que lhe dava alguma reação na pele, coceira, vermelhidão, inchaço...

- Nadica.

- O senhor já fez algum eletrocardiograma?

- Não.

- Pois eu vou pedir ao senhor que faça um e traga para eu ver.

- O doutor vai me desculpar, não é má vontade minha não, mas o senhor vai ter que pedir isso pra outra pessoa, porque, como eu disse, eu nunca fiz isso, não sei fazer, e pra te ser sincero, não sei nem o que é.

- É um exame, e não se preocupe, não é o senhor que vai fazer não, vão fazer no senhor. Mas deixa eu insistir numa coisa: por que foi que o senhor veio se consultar comigo?

- Ah, é porque lá na firma, quando a gente “intéra” a minha idade, eles mandam a gente pra tudo quanto é médico. Pro senhor ter uma idéia, eu ainda vou ter que ir ainda a um médico de vista, um de pele, um de ouvido e um de coluna. O senhor não tem aí uns médicos bons, amigos do senhor, pra me indicar não?

- Médicos bons, amigos meus, eu até que tenho alguns, sim. Mas se o senhor me permite eu tenho aqui uns outros “colegas” que eu prefiro indicar para o senhor. Um minutinho só que eu anoto o nome deles.




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