LICENÇA PARA CONTAR: SANDRO BAHIENSE
Cultura

LICENÇA PARA CONTAR: SANDRO BAHIENSE



Sandro Bahiense é professor, bibliotecário e amante das coisas que envolvam escrita. Lançou em 2008, em parceria de Ricardo Salvalaio e de mais 7 colegas poetas, a coletânia de poesias "8 Vezes Poeta", trabalho em que pôde expor um pouco de seus sentimentos e arte. Ficou conhecido entre os colegas da UFES por fazer uma crônica para cada um deles. Além de crônica e poesia, Sandro também escreve artigos de opinião, contos e máximas. Tais trabalhos podem ser vistos em seu próprio blog cujo endereço é http://sandrobahiense.blogspot.com/. Sandro trabalha também, claro, neste blog como um dos colunistas. Confira, abaixo, o conto “Garçom, aqui nesta mesa de bar...”:

GARÇOM, AQUI NESTA MESA DE BAR...

Sempre detestei musica sertaneja a qual batizei carinhosamente de música “breganeja”. Seus enredos, normalmente banais e pobres de argumentos, se resumem a homens traídos, amores impossíveis, ou, nos piores casos, a bêbados jogados ao chão, ou “caindo e levando”.

Sempre mantive distância desse ritmo por não gostar dele. Porém num dia saí pra minha balada rave e enfiei o pé na jaca com força. Bebi pra cacete, usei umas balinhas... Lembro de ter beijado uma menina de cabelo verde e até um cara (nunca fui disso, mas estava mucho loco neste dia).

Nem sei o que aconteceu no resto da noite e de como cheguei em casa. Sair pra balada e voltar ruinzaço não era novidade pra mim, mas o que me aconteceu no dia posterior sim. Lembro de ter acordado lá pelas duas da tarde e, dentre as sensações típicas de uma ressaca, eu sentia algo mais.

Era uma dor, doída mesmo. Era como se meu coração estivesse apertado e ao mesmo tempo querendo pular boca afora. Sentia uma saudade absurda e me peguei com os olhos marejados algumas vezes. Sim. Eu estava sofrendo de amor. Logo eu que sempre achei que amor era nada mais do que um produto do “marketing vende tudo” e desacreditava geral disso tudo. Sim. Estava amando. E sofrendo.

Ela tinha me abandonado, isso era fato. Deduzi pelo que eu sentia. Fui até o banheiro, meio tonto, jogar uma água no rosto como se isso me fizesse despegar desses sentimentos loucos que eu nunca imaginei sentir e acreditar. Quando cheguei próximo ao espelho outra surpresa. Eu não era eu. Bem. Eu era eu, mas diferente. Meu cabelo “meso” moicano, levemente ruivado, minha barba estilo cavanhaque e meus piercings haviam simplesmente sumido. Eu estava de barba feita, cabelo penteadinho “estilo João”, e não havia nenhum traço de brincos em meu rosto. Minha tatoos também haviam sumido.

Eu estava igualzinho a todo mundo. Meu estilo clubber sumiu como por mágica. A parada era tão real que me assustei de verdade. Me belisquei e doeu. Se era sonho, era sonho em grau elevado. Me deu fome. Parti para a geladeira com uma vontade imensa de comer pão com mortadela. Logo eu que sempre detestei essas paradas populares que te deixam arrotando o dia todo.

Tinha pão com mortadela e comi, acompanhado por um grande copo de café (que eu também não gostava). Estava sem fome, mas, em compensação, continuava sofrendo muito pensando na minha amada, cujo nome não sabia, mas que me fazia sofrer pra burro.

Decidi sair de casa para tentar esquecer ou entender aquilo tudo e me vi entrando num bar, dessas portas de boteco, manja? Lá dentro estava um monte de pés inchados bebendo cachaça. O dono do boteco era um senhor gordo, careca, peludo, que usava uma camiseta regata de pano ordinário. Tinha um palito que ficava mastigando o tempo todo e fedia insuportavelmente a suor.

Me aproximei dele e o homem me conhecia. Me chamou pelo nome e perguntou como eu estava. As palavras saiam de minha boca sem que eu tivesse controle sobre elas e à medida que falava lembrava-me de tudo como se aquela coisa bizarra fosse minha vida de verdade.

Pedi uma dose de cachaça, e depois outra. Enquanto tomava a bebida contava ao dono do boteco sobre o que acontecera. Contei que havia conhecido Jadislane (só podia ser enredo de música sertaneja mesmo) no forró e que tinha me apaixonado na hora.

Contei que havia levado-a a meu barraco (usei o termo barraco mesmo) e que tínhamos prometido um ao outro morar juntos assim que ela recebesse o FGTS dela. Nesse meio tempo ela ia a minha casa e passávamos noites juntos. Contudo ela não podia viver comigo enquanto a mãe não se curasse de uma doença (era gota), pois era ela que cuidava dos dois meninos dela, o Wallyson e o Willigam.

Recordo-me que o botequeiro ouvia aquela estória ridícula como se fosse à coisa mais normal do mundo e, vez por outra, apoiava-me. Lembro-me de ele ter dito que me daria uma dose por cortesia dada minha tristeza. Continuei a estória.

Disse que estava prestes a me casar com Jadislane, pois o governo havia liberado um casamento coletivo no feriado. Porém, dias antes da cerimônia, a peguei na minha cama com um caminhoneiro que tinha o apelido de Lambão. Matei Lambão. Acabei absolvido por ter agido em defesa da honra. No final das contas, ainda apaixonado, quis reatar com Jadislane, mas ela não quis ficar comigo, pois era apaixonada por Lambão e eu havia lhe tirado o amor da vida dela.

Já aos prantos contei ao dono do barzinho que ela também era o amor da minha vida e que ela não podia ter feito isso comigo. Já era tarde e me deu sono. Terminei dizendo ao garçom que, se eu pegasse no sono, que ele me deitasse no chão.






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