Cultura
NATURISMO TAMBÉM É CULTURA
Num pequeno diálogo:
- Sabe o que é Naturismo? Não?
- Já ouviu falar sobre aquelas pessoas que ficam sem roupas nas praias?
- Ah! Sim agora sei.
Essa é a ideia que a grande maioria das pessoas pensa que sabe o que é Naturismo, não tem a mínima noção do que representa esse movimento no mundo nem das implicações sociais da sua proposta com a nudez em grupo.
Adolf Koch, professor alemão de educação física, por volta do ano de 1900, inicia seus alunos nos desportos ao ar livre usando a nudez e obtém resultados expressivos na saúde, aspecto físico e até na alegria de viver. O alemão Heinrich Ungewitter publica o livro “Die Nacktheit (A Nudez), juntando-se ao movimento e dando-lhe consistência filosófica.
É ali na Alemanha o berço do Naturismo moderno, também o berço da sua decadência. Quando a ordem natural foi invertida colocando a “superioridade racial” e esquecendo os princípios de igualdade e fraternidade que o Naturismo representa, os campos de nudistas foram substituídos por campos de concentração, onde a nudez não mais tem a dignidade que deveria ser preservada.
Podemos, sem medo de errar afirmar: onde não existe paz e harmonia o Naturismo não sobrevive e aparentemente o ser humano prefere assim mesmo “lutar pela paz”, o que na minha perfeita ignorância e falta de inteligência ainda não consegui entender essa expressão.
Somente após a 2ª Guerra Mundial que o movimento nudista/naturista surge na França com mais intensidade e no 3º Congresso Internacional em Montalivet o Naturismo/Nudismo é definido como “Um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática da nudez social com intenção encorajar o autorrespeito, o respeito pelo próximo e o cuidado com o meio-ambiente”.
Para delírio de alguns, penso que eles tremem nas suas bases psicológicas quando se pronuncia a palavra “natureza”, porque não significa tão somente as plantas, as matas, os rios e os animais, mas também o corpo humano inserido dentro desse contexto, num processo de igualdade e liberdade. Assim, as implicações sociais são muito significativas, cada leitor desse texto pode fazer as suas próprias reflexões e conclusões.
Só poderá haver a harmonia com a natureza quando há aceitação de si mesmo. Por esse motivo o Naturismo abraça a todos sem distinção de cor, nacionalidade, orientação sexual, opções políticas, crenças e gêneros. É um movimento unificador e pacífico porque entende que a universalidade do corpo não pode ser segregada em partes indecentes e decentes, isso é moralismo.
O historiador Viegas Fernandes da Costa em seu artigo “Sobre a Nudez Social” questiona essas inversões de valores que transcrevo a seguir: “Ao iniciar estas breves reflexões a respeito da minha experiência com a nudez social, ocorre-me à lembrança de uma matéria da revista Veja no final da década de 1990, que tratava da guerra civil na Libéria. Chamou-me especial atenção uma fotografia que exibia o cadáver de um homem nu que havia sido linchado pelos guerrilheiros e abandonado à rua. Podia-se ver todo o corpo, suas feridas, a expressão de dor na face inerte e as lanhuras nos braços e pernas. Sobre o pênis, entretanto, uma espécie de tarja. Fiquei me perguntando o que seria mais obsceno: se a guerra civil e toda sorte de dor e destruição que esta provoca, onde cadáveres humanos são abandonados insepultos em meio à população que desesperadamente tenta sobreviver; ou se a exposição de um pênis aos olhos de leitores pudicos que poderiam se escandalizar, dando uma conotação sexual doentia a uma parte de um corpo humano barbaramente torturado e morto.
Encaramos com naturalidade a guerra, o genocídio, a desestruturação social e a tortura, mas a nudez que nos cobre desde nosso nascimento é desnaturalizada ao ponto de um pênis supostamente chocar mais que a própria barbárie da guerra. Há aqui, certamente, uma inversão de valores sobre a qual devemos nos questionar e incomodar”.
Marcos Tavares, autor do livro “Gemagem”, o que mais me incentivou a escrever para o Caderno “Pensar” de “A Gazeta”, que até hoje não foi publicado e por esse motivo faço a sua divulgação, responde a indagação: Pode haver poetas sem livros? Pode. Só não pode haver poetas sem a lua. Da mesma forma não pode haver naturistas sem a natureza porque é integrado que se entrega; é o não-julgamento que se há o compromisso maior com a vida como referiu o biólogo Paulo Pereira em seu livro “Sem Pedir Julgamentos - conforme a natureza” publicado pela Livre Expressão em 2011.
Como Coordenador do Centro de Estudos Naturistas (CENA) e Membro do Conselho Consultivo da Federação Brasileira de Naturismo (FBrN), tenho em minhas mãos diversos trabalhos acadêmicos, livros e artigos voltados para o estudo do Naturismo. Um campo enorme para pesquisas ainda não exploradas por causa de preconceitos e tabus em relação ao corpo.
Dr. John Veltheim, desenvolveu uma abordagem alternativa para a saúde que se tornou conhecida como o Sistema Body Talk que ensina em todo o mundo. No seu artigo “Nus por baixo da roupa” ele faz também referência como a sociedade cria no indivíduo a culpa por associar nudez com sexo e como isso provoca uma baixa auto-estima que vem se arrastando desde a infância e põe o dedo na ferida alegando e provando toda a farsa desenvolvida com o propósito de controlar os indivíduos. Só que tal comportamento é nocivo do ponto de vista psicológico e terapêutico.
O Sociólogo Edson Medeiros em seu artigo “Naturismo e Novas Vivências” diz: Ser Naturista é, antes de tudo, ter um compromisso com a vida e sob este aspecto o Naturismo é revolucionário e difere radicalmente da ótica da sociedade moderna. No mesmo texto cita ele Lowen em “Medo da Vida” (Summus Editorial), “O indivíduo de nosso tempo está comprometido com o sucesso, não em ser uma pessoa. Justificadamente pertence à ‘geração da ação’ cujo lema é: Faça mais, sinta menos...”.
Continua ele: Será destino do homem moderno ser neurótico, ter medo da vida? Sim, é a minha resposta, se por homem moderno definirmos o membro de uma cultura cujos valores predominantes sejam o poder e o progresso. Uma vez que são estes os valores que assinalam a cultura ocidental do século XX, decorre que toda pessoa criada na mesma é neurótica....Para entendermos a condição existencial do homem moderno e conhecermos o seu destino, devemos investigar as fontes de conflito de sua cultura. (Edson Medeiros)
Dora Vivácqua, a Luz Del Fuego, foi a precursora do Naturismo no Brasil, não há como falar de Naturismo sem citá-la. Uma mulher à frente do seu tempo e o biólogo Paulo Pereira diz que ela está fora da jurisdição desse mundo. Tem uma história a ser contada que poderá ser lida no seu livro “Verdade Nua” publicado em 1950; e também no livro de Cristina Agostinho “Luz Del Fuego” A Bailarina do Povo, publicado pela Editora Best Seller.
A Cristina ao escrever a história de Luz Del Fuego disse que esperava encontrar uma mulher comum, que ficava nua enrolada com as suas cobras fazendo apresentações teatrais. Muito pelo contrário, encontrou uma mulher culta, inteligente, instigante, com muita leitura e que a fez perder o sono muitas vezes. Incomum para a época em que a mulher não poderia nem participar de encontros literários em cafeterias onde reuniam diversos nomes importantes da literatura brasileira. Uma mulher que vale a pena ser lida.
Desde que fui convidado para participar do “Café com Letras”, que é um encontro de escritores capixabas organizado pelo Shopping Norte Sul, estou aprendendo a gostar de poesias. Observo que o verdadeiro entendimento não está nas palavras escritas e sim no coração de quem escreve. É preciso sentir o que o autor quer mostrar. Assim, também tenho ensinado aos poucos sobre Naturismo, até mesmo desconhecido por muitos dos nossos intelectuais uma vez que todas as citações realizadas nesse artigo não estão disponíveis nas livrarias.
Mostro a minha poesia: “A nudez humana é a identificação com a natureza, uma poesia sem palavras, um corpo integralmente rendido a uma energia que abraça a todos sem distinção. O corpo inspira artistas na pintura das suas telas, no artesanato, no romantismo, na poesia, na arte de esculpir na pedra ou na madeira, no teatro e na vida real mostrando o seu verdadeiro enigma e beleza quando apreciado como um todo. Quando fragmentado toda a visão se torna periférica, meia-verdade, enfraquecido numa mentira e totalmente desviado do seu valor intrínseco”.
(Texto de Evandro Telles)
“Verdades que as roupas escondem” (2009), “Naturismo – Um Estilo de Vida Transformador” (2013) e “Naturismo – Um Corpo Não Fragmentado” (2013).
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