Não serão poucos os espectadores que, após assistirem a "A Viagem", que estreia sexta-feira no Estado, afirmarão que o título nacional do filme faz todo sentido do mundo, pois o filme é realmente "mó viagem". Mas não é para tanto.
"Cloud Atlas" – que poderia perfeitamente chegar ao mercado nacional sem o título genérico e preguiçoso – marca a parceria dos irmãos Lana e Andy Wachowski (os criadores de "Matrix") com o alemão Tom Tykwer ("Corra, Lola, Corra"). O filme adapta o livro homônimo de David Mitchell para os cinemas, com seis histórias distintas com ligações nem sempre diretas entre si.
O elenco tem nomes como Tom Hanks, Halle Berry, Susan Sarandon, Hugh Grant, Hugo Weaving, Jim Sturgess , Ben Whishaw, Jim Broadbent e Doona Bae se alternando entre papéis de protagonistas, coadjuvantes ou mero figurantes.
Ao contar seis histórias diferentes, o filme opta por uma grande mistura de gêneros. Em um momento estamos em um drama escravagista de época, mas logo depois saltamos para uma aventura futurista pós-apocalíptica. Entre um e outros, acompanhamos uma comédia britânica, um amor homossexual proibido e até por uma ficção científica à la "Matrix".
As histórias se intercalam durante os quase 180 minutos de projeção, e não deve ter sido fácil amarrar tudo. Vale, por isso, destacar o trabalho do editor Alexander Berner, que já havia trabalhado com Tykwer em "Perfume" (2006).
Referências
Apesar das tramas "distintas", o filme traz referências que permeiam toda obra. Algumas chegam a ser explicitamente citadas, como o escritor esotérico Carlos Castaneda, defensor da vida eterna e da reencarnação, entre outros tópicos. Outra, que aparece de maneira bem mais discreta, mas que também tem forte influência é "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury. É até um desafio notar todos os momentos em que o número "451" aparece em tela.
Os Wachoswki, que já tinham realizado essa mistura de filosofia e cinema em "Matrix" (1999), retomam o assunto de forma mais direta, mas sem perder a veia pop. Não à toa, o elenco traz rostos conhecidos como Tom Hanks e Halle Berry, pois o discurso poderia se tornar menos acessível sem a presença de atores famosos.
Ironicamente, é justamente na presença de um desses atores que "A Viagem" tem seu ponto fraco. Enquanto Tom Hanks, Hugo Weaving, Jim Broadbent e Jim Sturgess alternam razoavelmente bem entre a caricatura intencional e os papéis dramáticos, Halle Berry demonstra exatamente a mesma expressão sofrida sempre que surge em tela. Nem a pesada maquiagem que a transforma em uma mulher judia em uma das sequências consegue salvar o filme de sua canastrice.
Narrativa
A princípio confuso, o longa conquista o espectador à medida que este passa a entender que, de uma forma ou de outra, "tudo está conectado" (como diz o cartaz nacional do filme). Assim, passa-se a buscar elementos comuns entre cada história, sejam eles personagens, seja um filme, uma música, um símbolo. A diferente cadência de cada trama também confere ao longa uma estrutura que não o torna cansativo, apesar das quase três horas de duração.
Não há nada errado em um filme pop com pretensões artísticas filosóficas, mas "A Viagem" carece de um clímax propriamente dito. Ao fim, a conclusão de cada história e suas ligações não são suficientes para que o público saia impressionado com o espetáculo visual e de narrativa que viu em tela.