"LICENÇA PARA CONTAR": RICARDO SALVALAIO
Cultura

"LICENÇA PARA CONTAR": RICARDO SALVALAIO



Ricardo Costa Salvalaio (1986) nasceu em Vitória - ES. Em 2006, publicou o livro de poemas “O óbvio complexo”, que teve apoio da Lei Rubem Braga. Sempre ligado a cultura capixaba, organiza, em 2008, a coletânea de poemas “Oito vezes poeta”, que teve como objetivo apresentar ao público obras de autores que não tinham ajuda cultural dos seus respectivos municípios. É professor formado em Letras – Português pela UFES e pós-graduado em Educação de Jovens e Adultos pela CESAP. Em 2010, tomou posse na Academia de Letras Humberto de Campos (Vila Velha). Atualmente, colabora com o Blog Cultural “OUTROS 300” (www.outros300.blogspot.com). O autor também publica seus textos em jornais, como o Caderno Pensar, de A Gazeta. Confira, abaixo, o conto “À verdade do conhecimento”:

À VERDADE DO CONHECIMENTO

Em um tribunal, alguns réus eram acusados da não condução à verdade do conhecimento. Racionalismo e Empirismo eram idéias desses réus. Do lado racionalista, havia Descartes, que através da dúvida metódica queria levar a verdade e revelava que “não há setor do saber que se mantenha”, ou seja, nada resiste à dúvida. Por seu turno, os empiristas tinham Hobbes e Hume, este criticava a teoria de Descartes e dizia que só a experiência era válida, aquele acreditava que a razão era um cálculo e o que importava era a sensação. Em meio a isso tudo, havia um réu que não possuía posição definida, pois tinha idéias racionalistas e empiristas, seu nome era Bacon e preocupava-se com a necessidade da humanidade. Kant, um “juiz transcendental”, ficou com a missão do julgamento:

Kant: Senhor Descartes, você realmente acha que “Deus” possibilita o acesso a verdade?

Descartes: Sim. A existência está condicionada a essência. Deus é essência, portanto existe. Bom, a prova de que Deus existe é a própria consciência humana, além do mais não existe perfeição sem existência.

Kant: Concordo contigo no que tange a “Penso, logo existo”, mas você já chegou a afirmar que “nem sempre o conhecimento é alcançado pela experimentação”. O conhecimento é transcendental, é alcançado pela sensibilidade e intelecto. Dê férias a Deus!

Descartes: Não há nada no saber que se mantenha, temos de ter dúvida.

Kant: O senhor acredita que a realidade é uma verdade? Se sim, como conseguimos alcançá-la?

Descartes: Ora, pelo pensamento!

Kant: Enquanto você quebra-se por dentro para manter a ordem do mundo, eu “quebro o mundo” para manter minha ordem interna. Tudo o que formos duvidar, temos de duvidar tanto pelos sentidos quanto pela experiência.

Descartes: Não aceito nada como verdadeiro havendo dúvida ou perplexidade.

Kant chama Hobbes e Hume.

Kant: Senhor Hobbes, você acredita que o pensamento não gera o objeto, acontece, nesse caso, o contrário. Acredita que o conhecimento é gerado somente pela experiência?

Hobbes: Sim. O Homem é igual a “animal + racional”. Raciocinar é o mesmo que adicionar e subtrair.

Kant: Senhor Hume, você critica Descartes, no entanto, peca em vários âmbitos como ele. Acredita realmente que não há organização mental?

Hume: Para mim, só vale a experiência, por isso critico Descartes. Creio que é o corpo que organiza tudo através da experiência “arracional”.

Kant: Você é contraditório. Certa vez disse que a física e outras ciências levavam ao conhecimento e que se podia jogar fora teologia, literatura, etc. Em outro momento, revelou que “a ciência da natureza humana” é mais importante que a física e outras ciências, porque essas ciências dependem de alguma forma da natureza humana. Vocês, empiristas e racionalistas, deveriam saber que o problema não é o “ser” e sim os “seres”.

Kant chama Bacon para ser julgado.

Kant: Senhor Bacon, você é tecnicista, ou seja, é meio empirista e meio racionalista. Deveria juntar essas duas idéias. Enfim, você preocupa-se com a necessidade da humanidade, considera que “fazer algo para algo”. Você acha o conhecimento uma necessidade? Por que devemos buscá-lo?

Bacon: Bom, o que importa é o que seja útil, e sim, o conhecimento (da verdade) é uma necessidade, tendo em vista que o homem é, ao meu ver, o ministro e interprete da natureza. Sentimos prazeres. Devemos buscar o saber porque o verdadeiro saber tem função diferente da que a tradição lhe atribui. Só ouvimos “porque sim”.

Enquanto Bacon respondia as perguntas, os outros réus discutiam, em voz muito alta, se a verdade (conhecimento) era alcançada pela razão (pensamento) ou sensação (experiência).

Kant, nervoso, diz em voz alta, já terminando a assembléia: Racionalistas e Empiristas, calem-se todos! O conhecimento agora está no humano! O conhecimento acontece através da sensibilidade e do intelecto. Eu não considero ninguém, pois considero que ambos, racionalistas e empiristas, pecam de qualquer modo. Nenhuma dessas duas faculdades devem ser antepostas. Sem sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado. Sem intelecto, nenhum objeto seria pensado. Sem conteúdo, os pensamentos são vazios. Sem conceitos, as intuições são cegas!




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