Cultura
CRÔNICA "MORRER NÃO DÓI NADA", DE JUCA MAGALHÃES
Juca Magalhães é músico, escritor e ex-integrante do grupo “Pó de Anjo”. É um dos mais requisitados mestre de cerimônias do Estado, com atuação em eventos públicos e privados. Autor do blog a “Letra Elektrônica” e textos publicados no Caderno Pensar, do Jornal A Gazeta. É autor dos livros “O Livro do Pó” e “Da Capo - De Volta às Origens da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo”. Magalhães também trabalha na divulgação e desenvolvimento de projetos voltados para educação e performance de música, sobretudo canto coral, clássica e popular. Confira, abaixo, a crônica “Morrer não dói nada”:
MORRER NÃO DÓI NADA
Um virou pro outro e disse que facada doía muito mais do que tiro.
- Por quê?
- Ué, porque o tiro esquenta e a facada é fria, dói, mas muito mais. Você já tomou uma facada?
- Eu não! Tá maluco? Nem tiro levei muito menos.
- Facada dói pra caramba, bicho. – Ainda era comum tratar amigos assim, coisa que muda com o tempo. Já teve o “meu chapa” e o um pouco mais carinhoso “chapinha”. Era assim que o Zé Pretinho me chamava quando eu ia na sua venda comprar chicletes. Cada um Ping-Pong “tutti-frutti” custava dez centavos de um cruzeiro que a gente, imitando os adultos, chamava de “mil”. No site de respostas do Yahoo achei um pequeno histórico desses chicletes:
O primeiro chiclete vendido no Brasil foi o “Ping Pong” lançado pela Kibon em 1945 e concorreu com o Ploc durante muito tempo, até que ambos foram comprados pela empresa Kraft Foods, que fundiu as marcas (o Ping-Pong era da Kibon e o Ploc era da Adams). O Ping-Pong era extremamente duro, custava para amolecer - haja maxilar! Algumas pessoas gostavam porque isto tornava a bola mais resistente, mas, quando surgiu o Ploc, super macio, o Ping-Pong foi perdendo terreno.
Quando o papai ia sair de casa a molecada o cercava pedindo “um mil” para comprar guloseimas na venda do Zé Pretinho. Enquanto revirava os bolsos da calça – não me lembro de ter visto meu pai usar carteira – o homem costumava dizer sorrindo que parecíamos um bando de pintinhos ciscando à sua volta, piando: mil, mil, mil...
Para isso tem outra explicação dá época de minha infância, agora vindo da Wikipédia:
Em 13 de fevereiro de 1967, o Cruzeiro foi substituído pelo padrão transitório Cruzeiro Novo (NCr$) por conta do aumento da inflação. O Cruzeiro Novo equivalia a mil Cruzeiros "antigos", como ficou denominada esta moeda.
Essa era a nota de um Cruzeiro "da minha época", começou a ser impressa em 1970.
- Eu me meti numa confusão uma vez lá num bailão da Serra, o lugar era meio barra pesada, mas eu tava de olho numa garota de lá. E tinha um cara esquentado que não gostava de gente de fora paquerando a muierada, do nada ele partiu pra cima de mim e me sentou umas três facadas. Eu preferia mil vezes ter tomado um tiro.
- Tá doido meu irmão...
- Tiro é só costurar, ou então mata de uma vez. Mas pra tratar a facada o médico enfiou com tudo o dedo lá dentro da ferida pra tirar o sangue coagulado e limpar. Rapaz mais aquilo doeu! – Me acerquei da dupla achando graça naquela conversação e comentei: “deve ser daí que tiraram a expressão colocar o dedo na ferida”. E o mais sem noção, aproveitando o ensejo, falou:
- Juca, sua mãe morreu de tiro não foi?
- Foi.
- Então...
- Então o quê?
- Não deve ter doído nada...
P.S. Guardem as facas crianças, porque esse diálogo final é fictício. Serve para continuar lembrando que a jornalista Maria Nilce Magalhães morreu assassinada em um crime de mando perpetrado por gente da elite financeira capixaba. Gente muito fina que comprou sua impunidade e contou com a conivência de um sem número de autoridades de forma que até hoje passam por cidadãos respeitáveis e são homenageados pela imprensa e por seus iguais.
Como agora é moda dizer: VERGONHA ALHEIA!
Djalma Juarez e Maria Nilce Magalhães com o filho Juca no colo, circa 1966.
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