Cultura
CRÔNICA DE DOMINGO: O PAPA É (MUITO) POP
"O Papa é Pop". A frase, que virou clichê nessa recém-terminada Jornada Mundial da Juventude, foi atribuída à exaustão ao argentino Jorge Bergoglio, o Papa Francisco. O que os mais novinhos não devem saber, é que ela faz parte da canção homônima do grupo Engenheiros do Hawaii, banda formada por Humberto Gessinger e sua turma que tanto sucesso fizeram naqueles já meio longínquos anos 1990.
Era a época da minha adolescência e eu e a minha geração, até então, só havíamos conhecido um papa, o polonês Karol Wojtyla, o eterno João Paulo II, e pensávamos que ele era imortal. Tanto que todos achamos estranhíssima aquela história de Conclave. E de papa alemão. E assim seguíamos.
Eu sempre nutri muita simpatia pelo Papa Wojtyla porque o achava parecido com meu avô paterno. Eu me lembro quando o Papamóvel percorreu a Dante Michelini, uma das maiores artérias da capital capixaba, e o papa passaria ali, diante de nós. Mas, principalmente, eu me lembro muito bem quando meu irmão, então com oito anos, conseguiu burlar o esquema de segurança e ficar lado a lado com o carro do papa, no que foi abençoado por João Paulo II, em pessoa. Corria o ano de 1992. O Governador do Estado era Albuíno Cunha de Azeredo, primeiro negro a ascender ao topo do Executivo estadual. Vitória ainda era uma capital com jeitão de interior e na região da Enseada do Suá não tinha nada. Dava pra ver o Hospital São Pedro de longe, de onde é, atualmente, a Praça do Papa, erguida em homenagem ao Santo Padre da época.
Hoje, 21 anos depois, o papa se chama Jorge Bergoglio, o Francisco. Ele é latinoamericano, portanto, emotivo, visceral. Vem da vizinha Argentina, país que, como o nosso, também passou por uma ditadura, por crises e instabilidades políticas. E, dessa vez, foi o menino Natan, no Rio, conseguiu a mesma façanha do meu irmão. Quer dizer, bem mais, pois ele ganhou um abraço emocionado do Papa, que também não conseguiu se conter. Furo do esquema de segurança? Traquinagem de criança? Milagre? Não sei dizer. Mas eu acho que pessoas como meu irmão ou esse menino são exemplos de que todos nós, sobretudo católicos, queremos, de fato, uma Igreja verdadeiramente peregrina e despojada. E vou mais além: este século que se descortina em nossa frente quer líderes mais próximos do povo, que falem a língua do povo mas, principalmente, que se comportem como o povo (e aí, políticos brasileiros, entenderam o recado?).
Jorge Bergoglio não me pareceu fazer jogo de cena. Ouso dizer que ele é até mais carismático que o Wojtyla. Anda, vira, mexe, ouço piadas do tipo "esse papa me fez gostar de argentinos". Bom, eu sempre gostei deles. Sempre achei Messi muito melhor que Neymar (mas, vá lá, Pelé é melhor que Maradona, né?). É um país cheio de prêmios Nobel, onde o analfabetismo é praticamente zerado e onde as pessoas valorizam a leitura. Só em Buenos Aires, a belíssima capital do país, tem mais livrarias que em todo o Brasil. Temos muito o que aprender com eles, nos exemplos positivos e também negativos (como o kischnerismo, tão próximo do lulopetismo que infectou nosso país há uma década).
Francisco, com nome de santo, é, por si só, um santo, sim. Mas um santo diferente. Um santo da contemporaneidade, que já foi canonizado pelas massas. Ele parece unir os fragmentos deste nosso mundo, o que nos dá tanto alento e nos faz depositar tanta esperança nele. Ele trouxe várias lições de humildade, quando disse que não traria ouro ou prata, mas Jesus Cristo (enquanto Dilma trouxe seu palanque oportunista e seu fausto acostumado à gastança do dinheiro público). Ele trouxe ele trouxe o ecumenismo, quando vi evangélicos declarando a ele seu amor, o que me faz ver que a união é, sim, possível. Mas, principalmente, ele trouxe suahumanidade, quando riu com quem riu e chorou com quem chorou. Por isso agradou tanto. E é por tudo isso e muito mais que não cabe em uma crônica que "o Papa é (muito) pop". E que nenhum de nós será o mesmo, depois de Francisco. Definitivamente.
(Texto de Anaximandro Amorim)
Anaximandro Amorim (1978) é escritor, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho da 17ª Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de Francês do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura, da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de Campos, de Vila Velha/ES.
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