ENTREVISTA COM A ESCRITORA ANA LAURA NAHAS
Cultura

ENTREVISTA COM A ESCRITORA ANA LAURA NAHAS



A paulista Ana Laura Nahas é cronista do jornal A Gazeta desde março de 2004, e em 2009 lançou seu primeiro livro, "Todo Sentimento". A escritora é formada em jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), já trabalhou no jornal "Folha de São Paulo", e nas revistas "Bravo", "Bizz", "Aventuras na História", "Quatro Rodas" e "Vip". Atualmente, é editora de produções especiais da redação multimídia da Rede Gazeta, e diariamente comenta as notícias que são destaques na Rádio CBN Vitória. Confira, abaixo, a entrevista com a autora:

1 – Como surgiram as artes em sua vida? Sua paixão foi diretamente pela escrita ou outros meios artísticos como a música e o cinema também a influenciaram?

Resposta: Sempre gostei de arte, desde pequena. Quando criança, colecionava recortes de jornais sobre cinema e lia bastante, principalmente os clássicos de Monteiro Lobato e os volumes da coleção “Vagalume”, de Marcos Rey e Orígenes Lessa, entre outros. Também adorava “Marcelo Marmelo Martelo” e, um pouco depois, “Alice no País das Maravilhas”, “Meu Pé de Laranja Lima” e “O Pequeno Príncipe”, só para citar alguns que voltei a ler já adulta. Música também foi sempre muito presente nos meus dias: estudei piano desde bem cedo e cresci ouvindo música brasileira, influenciada pelo gosto dos meus pais, desde boleros e canções de dor de cotovelo até Roberto Carlos, Chico Buarque e bossa nova.

Ainda hoje sou adepta do chiado dos discos de vinil no toca-discos, ouvindo aqueles mesmos discos que me acompanhavam na infância. Na crônica “Chico Buarque”, que pode ser lida no blog [www.analauranahas.wordpress.com], eu conto do medo que tinha da música “Brejo da Cruz”, principalmente daquela parte que dizia que as crianças comiam luz.

2 – Quem foram suas grandes influências? Teve algum texto em particular que te fez ter querer ser escritora?

Resposta: Quando tinha uns 12 ou 13 anos, ganhei de uma irmã o livro Cartas a um Jovem Poeta, em que o poeta alemão Rainer Maria Rilke dava conselhos a um aspirante a escritor e dizia o seguinte:

"Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, - ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: ‘Sou mesmo forçado a escrever?’ Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples ‘sou’, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade."

Eu já gostava de escrever e desde que me lembro queria ser jornalista. Na minha vida profissional, o jornalismo veio antes da literatura. Comecei a trabalhar como jornalista em 1998 e, embora mantivesse o hábito de escrever diários, artigos e crônicas, nunca tinha publicado nada além de reportagens, notícias, entrevistas. As crônicas vieram uns cinco anos depois, quando comecei a publicá-las na Revista.AG e depois no Caderno 2, ambos no jornal A Gazeta. Depois vieram os blogs [Todo Sentimento, Rascunho e Terceiro] e o livro "Todo Sentimento", lançado em 2009.

Hoje as influências são diversas, gosto de conhecer autores novos e, sempre, voltar aos bons e velhos Rubem Braga, Guimarães Rosa, Raduan Nassar, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Gabriel García Márquez, Clarice Lispector, Ernest Hemingway, Herman Hesse... E a música, sempre, "mania" que levou o Mario Bonella [apresentador do programa CBN Cotidiano] a criar o quadro Música Para Ana Laura Nahas, que vai ao ar diariamente na rádio CBN Vitória - é a primeira vez em que a emissora 100% dedicada às notícias abre espaço para músicas pedidas pelos ouvintes. Levou também o Tarcísio Faustini [pesquisador, uma verdadeira enciclopédia sobre música brasileira] a criar o quadro As Crônicas Musicais de Ana Laura Nahas, em que eu lia textos e ele fazia a trilha sonora citada em seu programa de rádio, Domingo Brasil. Recentemente, nos reencontramos na edição especial do projeto Clube do Vinil, na Biblioteca Pública Estadual, que tratou também das minhas crônicas e das influências musicais sobre elas.

3 – Você é paulista e radicada no Espirito Santo há alguns anos. Diga-nos, quais as grandes diferenças principalmente artísticas de uma megalópole como São Paulo para um local com jeitinho de cidade pequena como o ES?

Resposta: Eu moro no Espírito Santo desde os anos 80. Então, embora tenha nascido em São Paulo, não tenho a vivência do cenário artístico de lá. Além disso, nasci também numa cidade do interior de São Paulo, Ribeirão Preto, que tem um espírito bem parecido com Vitória. Mas acredito que por aqui falte estrutura para dar suporte à produção. Com raras exceções, não temos grandes editoras [a distribuição é um problema ainda maior], não temos boas casas de show, não temos público com hábito de prestigiar as produções locais, não temos cursos de formação, de "pensação" ou de criação, ou temos, mas com pouca frequência e pouca penetração... Também não dá para negar a Geografia do nosso Estado: não estamos no centro econômico-político-cultural do país, então não dá para exigir que sejamos vistos desta forma. Não estamos no centro. É fato. E tem ainda a cultura dos próprios artistas, equivocada na minha opinião, de que os bons precisam sair daqui.

4 – Esse estilo, digamos, mais “provinciano” do nosso estado ajuda ou atrapalha no surgimento de novos artistas?

Resposta: Não gosto muito dessa história de provinciano, viu? Acho que é um conceito que acaba funcionando como uma justificativa para o que não anda. Na minha opinião, não ajuda nem atrapalha. Quem quer produzir produz e pronto. O problema é que o mercado local é muito condescendente, suaviza erros que não deveriam ser aceitáveis. Falta profissionalismo. O som de um show é ruim e ninguém reclama, por exemplo. Tenho a impressão que isso vale para o mercado em geral, não apenas para o cenário artístico.

5 – Você, oriunda de fora, talvez tenha até mais facilidade em analisar... O que falta para termos um nicho artístico genuinamente capixaba? Por que parecemos sempre ter tanta influência dos nossos estados vizinhos?

Resposta: O que seria um nicho artístico genuinamente capixaba? Não é exatamente contra isso que devemos batalhar, para ter uma arte sem fronteiras e sem protecionismos a manifestações e estilos apenas porque eles são capixabas? Na minha opinião, uma obra de peso, de personalidade, guarda as influências de seu criador, de modo explícito ou nem tanto, independente das origens dessas influências. Faz realmente diferença se elas são uma paisagem da Praia de Camburi ou a Times Square, uma canção dos Beatles ou uma toada folclórica, as lembranças da infância ou uma canção que a mãe do sujeito cantava para ele dormir, de dentro ou do vizinho? Para mim não faz.

6 - Como foi trabalhar em grandes veículos de comunicação como Folha de São Paulo, Bravo e Bizz? Como tem sido trabalhar na Gazeta e na CBN?

Resposta: É bom ter experiências novas, em mercados diferentes. São grandes veículos, com grandes profissionais. Aprendi muito lá e vi que também enfrentam problemas parecidos com os que temos aqui, e que são indefinições dos rumos do próprio jornalismo impresso. Mas jornalismo é jornalismo, aqui ou lá: precisa seguir os mesmos princípios, as mesmas técnicas, perseguir a inovação, o compromisso com a verdade e a comunidade, coisas que A Gazeta e a CBN felizmente colocam em prática no dia a dia.

7 – Como observadora cultural você deve ter conhecimento de vários artistas que visam despontar para o sucesso. Como você tem visto o cenário cultural capixaba? É promissor? Está estagnado?

Resposta: A produção não para. Temos períodos de maior ou menor impacto, em quantidade ou qualidade. Mas tem gente boa tentando, arriscando, inventando moda, e é bom que seja assim - e ainda melhor se houver mais gente, sem pretensão e com o coração aberto, produzindo.

8 – “Todo sentimento” seu livro lançado em 2009, foi uma compilação de crônicas que você publicava no A Gazeta. Queria que você nos falasse mais acerca deste livro. Qual a grande diferença entre produzir especificamente para a publicação de um livro com a publicação de um apanhado de trabalhos feitos durante anos, caso de “Todo sentimento”?

Resposta: Crônicas, pela própria natureza do gênero, estão intimamente ligadas ao tempo e ao olhar do cronista sobre o cotidiano [e às vezes as memórias]. Vejo a crônica também como o gênero literário que possivelmente mais aproxima autor e público, porque mescla temas cotidianos às reflexões, divagações e emoções do criador. Por isso acho que uma coletânea, neste caso, funciona bem, como se fosse um retrato de um determinado período. “Todo Sentimento” foi pensado desta forma: 30 crônicas sobre arte, política, fatos cotidianos e histórias sobre amores, amigos, memórias, encontros e desencontros, escritas em um período de quatro anos. Os textos misturam referências atuais à cultura pop, ao cinema, à política e, especialmente, à música popular brasileira. O livro foi lançado pela Editora Flor&Cultura com o apoio da Lei Rubem Braga, tem prefácio da querida escritora Bernadette Lyra e ilustrações que particularmente gosto muito da artista plástica Mariana Mauro.

9 – Aliás, qual critério um cronista usa para escrever e para elencar seu assunto? E qual foi o critério na eleição das crônicas que entraram em seu livro?

Resposta: Para mim, qualquer coisa é inspiração: uma conversa, um livro, um artigo, uma canção, uma perda, uma conquista, uma lembrança. De tão particulares, os temas acabam sendo universais. Soa clichê, mas é bem verdade. Recebo muitas, mas muitas mesmo, mensagens de leitores dizendo que se identificam com um determinado texto, dizem que é como se aquele texto tivesse sido escrito para eles. Para mim, não tem coisa melhor do que essa troca. Sobre o critério para escolher as crônicas, foi única e exclusivamente o afetivo. Escolhi as que eu gostava, com a ajuda do editor Miguel Marvilla, e dividi em cinco capítulos, nomeados com temas recorrentes nos textos: Os Amores, As Escolhas, O Tempo, As Palavras e A Imaginação.

10 - Você organizou o projeto "Todo Sentimento por Aí", em que 30 exemplares do livro foram espalhados por 10 cidades brasileiras, com o intuito de despertar a leitura de crônicas em lugares públicos. E também promoveu a ação "Troque um livro seu pelo meu", onde recebeu exemplares de diversos livros em troca de um volume da obra "Todo Sentimento", confere? Queria que você nos falasse mais sobre tão pioneiras iniciativas.

Resposta: Decidi que queria circuitos alternativos de divulgação que não fossem apenas as livrarias e os sites, então coloquei o livro à venda num restaurante pelo preço que cada um desejasse pagar, em numa locadora, pelos Correios e literalmente no meio da rua. No lançamento oficial do livro, em 2009, eu já tinha "inventado moda": cada convidado decidia quanto queria pagar pelo seu exemplar, que não tinha preço fixo.

Pouco mais de um ano depois, queria ampliar ainda mais, e de forma meio desordenada mesmo, os caminhos do livro. Pedi a 30 leitores que escolhessem uma das 30 crônicas do livro, fizessem anotações sobre ela e deixassem o exemplar em um lugar público de 10 cidades brasileiras. Um pequeno cartão de instruções colado no livro sugeria que quem encontrasse o livro fizesse o mesmo: escolhesse uma crônica, fizesse anotações a respeito dela e novamente deixasse o livro em um local público a sua escolha. O projeto surgiu dos frequentes compartilhamentos das crônicas pelos leitores, principalmente na internet. Eu recebo mensagens de toda parte de gente que diz se identificar com as histórias e pede para enviar para conhecidos ou republicá-los. Como sempre fui a favor de compartilhar as histórias, decidi espalhá-los também "fisicamente".

“Troque um Livro seu pelo Meu” foi também uma forma de distribuição alternativa. Os interessados me mandavam um livro a sua escolha pelo Correio e eu enviava um exemplar de “Todo Sentimento” para o endereço que estava no envelope. Ganhei muita coisa boa, e alguns títulos que não conhecia, mas que os leitores achavam que, de alguma forma, eu devia ler ou reler, conhecer ou reencontrar. Hoje o livro está esgotado.

11 – Atualmente, temos passado por uma febre de livros de vampiros e de autoajuda em detrimento a livros de poesia, crônicas e romances. O que você acha disso? Você acredita que o simples fato de estar lendo já é um ponto positivo para a nossa população?

Resposta: É a velha questão do mercado, né? Da indústria cultural e coisas do tipo... Mas sou otimista. Acho que as pessoas leem sim crônicas, poesia e romance sim, mas é um tempo diferente, que tem dificuldade de adequação ao modo frenético em que estamos vivendo. Vendi 900 exemplares de um livro simples sem nenhuma grande editora ou distribuidora. Entrevistei, recentemente a presidente da Academia Brasileira de Letras e ela me garantiu que as crianças nunca leram tanto quanto antes, que dizer que não é verdade que a internet afasta os pequenos leitores da leitura. Pelo contrário. Vejo meus sobrinhos pequenos passando horas ouvindo as histórias que contamos para eles e, quando aprendem a ler, lendo séries com sete, oito volumes. Vampiros são um fenômeno que não sei avaliar [vai ver o "Além" explica; será?], mas não é só na literatura. Já experimentou contar quantas séries de TV atualmente têm temas sobrenaturais?

Agora, sobre o sucesso dos livros de auto-ajuda, penso que ele diz muito mais sobre o nosso mundo do que exatamente sobre a literatura. É mais fácil encontrar consolo para o imenso vazio em que muita gente se encontra num título do tipo “As 10 Mulheres que Você Vai ser antes dos 35 anos” [pois é, existe isso...] ou “O Monge e o Executivo” do que em Drummond ou Vinicius de Moraes, embora o consolo também esteja lá, e de um modo mais profundo, mais bonito.

12 – Recentemente, abrimos espaço para os colegas autores capixabas em nosso blog. O que você acha da inserção das ferramentas virtuais como divulgação das artes?

Resposta: Acho ótimo. Quanto mais ferramentas dispusermos para divulgar boas produções, tanto melhor. Sou uma grande defensora da utilização da internet como suporte para o surgimento, consolidação e - por que não - estabilidade de novos - e velhos - escritores. Mas elas devem ser bem cuidadas. Em muitos casos, o que vejo hoje é uma verborragia exagerada, um blablablá sem utilidade, pelo menos para mim como leitora e como cronista.

13 – Quais são seus projetos para 2012? O que podemos ter de novo de Ana Laura Nahas para este ano?

Resposta: Acabei de acabar uma segunda coletânea de crônicas, mas ainda não sei quando vai ser lançada. Agora estou escrevendo um livro de contos inéditos, mas muito devagar, no tempo [pouco] que tenho para me dedicar à literatura, nas folgas da jornalista e da dona de casa [risos]. Mas está na minha lista de promessas de ano novo para 2012. Vamos ver se cumpro, espero que sim.




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