O paulista Vinícius Piedade (1980) é ator, diretor e escritor. Atuou em diversas peças teatrais e lançou três livros. Confira, abaixo, a entrevista com o artista:
1 – Olá, VinÍcius. Como as artes entraram em sua vida? Qual foi o nicho artístico (música, cinema, literatura) que primeiro lhe atingiu o peito? Teve algum momento capital em que você pensasse: “Caramba é isso que quero ser para o resto da vida”?
Resposta: Essa pergunta é sempre difícil de responder, por mais simples que seja. Porque são tantos fatores que é quase impossível enumerar... fora os fatores subjetivos, que talvez sejam mais numerosos e até mais intensos. De modo que eu posso dizer, como diz meu personagem da peça “IDENTIDADE (...)”. "Foi num estalar de dedos..." Quando moleque eu queria ser jogador de futebol. Do Corinthians, de preferência. Mas acho que não era bom o suficiente. E o tempo foi passando. E quando chegou o momento de escolher "o que ser quando crescer", aquela época complicada, época de vestibular e tudo mais, eu já sabia BEM o que eu queria da vida. Não havia dúvidas. Era isso. Ou nada. Era isso. O tudo. Já era o meu presente, portanto, eu via como meu futuro. O teatro. A literatura veio depois. Naquela época, eu achava estranho meus amigos não saberem o que fazer de suas vidas, já que minha certeza era tão absoluta. E enquanto "fazedor" de teatro e literatura, sempre adorei apreciar. Eu via todas as peças. Quando não tinha dinheiro invadia pela garagem, pulava muros. Morava em Sampa onde não faltavam opções teatrais. Eu via três peças por semana. Devorava. E nem mastigava. Era o que é. Meu começo, meu meio, meu fim.
2 – Podemos dizer que você é um cidadão do mundo. Mas gostaria que você nos contasse como foi sua infância, juventude e o inicio de sua carreira. Quem era o Vinícius Piedade antes de virar o Vinícius Piedade?
Resposta: Sempre fui muito integrado com os amigos das escolas e dos lugares onde morei. Bagunça. Era o que queria fazer. Era um péssimo aluno. Mas não era um filho ruim. Fazia tudo dentro de um certo limite. Bagunçava até não poder mais. E eu sabia quando não podia mais. O limite de ligarem pra minha mãe. Que criou minha irmã e eu sozinha. Então eu temia isso, minhas bagunças chegarem até os ouvidos da minha mãe. E, claro, vez em quando passava esses imites e minha mãe, apesar de não bater, adorava aplicar castigo. Lembro que uma vez, repeti de ano (a primeira das duas vezes que repeti) e minha mãe aplicou um castigo um tanto pesado: férias INTEIRAS em casa. Puxa, nem lembrava disso. Essa pergunta me fez lembrar do meu “CÁRCERE”. Eu ficava olhando pela janela meus amigos na rua. Aquilo foi pesado. E isso não fez de mim um aluno melhor ou um cara menos bagunceiro, mas, eu evitada minha mãe saber das minhas. O fato é que eu precisava me expressar de alguma forma. Muitas vezes o aluno bagunceiro é tratado da pior maneira possível. É como se todo sistema não soubesse lhe dar com isso... Tentam enquadrar o moleque. Sem saber como canalizar isso tudo. Penso que existem escolas trabalhando essas questões. E acho que esse é o caminho.
3 – Autor, diretor, escritor, ator, corredor de cooper... Camarada, como você consegue ser tanta coisa ao mesmo tempo? Dê-nos a chave desse segredo...
Resposta: Corredor de cooper é ótimo. Vocês dizem isso porque sempre digo que adoro correr. Adoro. Toda cidade em que chego, descubro um bom lugar de correr. Quando estou em Vitória-ES sempre vou correr na praia de CamburI. Talvez seja a coisa que mais gosto de fazer em Vitória. Como ir na Rua da Lama. Ou ver as moças bonitas. Como tem mulher bonita nessa cidade! Moças que Causam Vertigens. Eu poderia escrever um novo “ESSAS MOÇAS QUE ME CAUSAM VERTIGENS” (nome do meu segundo livro de contos) se passasse mais tempo em Vitória-ES. Mas sou, sobretudo, ator. É minha profissão. O resto é bônus. Adoro e preciso escrever. Como disse Rilke "se pode viver sem escrever, viva sem escrever". Não posso. Dirigir teatro é das coisas mais gostosas do mundo. A criação de uma concepção, de um mundo, de uma forma, uma estética. Como é bom! Os paradoxos. Adoro quando um espetáculo surge com tudo pra mim, texto, direção, iluminação. Mas também gosto de trabalhar no coletivo. São prazeres diferentes. Necessidades artísticas outras. Necessárias pra mim.
4 – Um artista multifacetado como você deve ter uma grande gama de referências. Em quem você se inspirou para se tornar artista?
Resposta: As referências são de fato infindáveis. No teatro, na literatura. Gosto de coisas, inclusive, que não tem nada a ver com o que faço, coisas antagônicas mesmo. Poderia citar aqui no teatro, o Peter Brook, como algo pra mim fundamental. E na literatura, o Rubem Fonseca pra mim foi base. Mas como não citar o Camus, o Milan Kundera, o Paul Auster, o Dostoiévski, o Coetzee, são tantos. E no teatro, o Artaud, o Grotowiski... são tantos vivos e mortos que o melhor é terminar essa com uma reticências entre parênteses. (...)
5 – Fale-nos brevemente sobre as peças que você atuou como ator. Teve alguma marcante? Com qual ator ou atriz que você contracenou que mais te satisfez? Aconteceu algo inusitado em alguma peça?
Resposta: As peças que mantenho em repertório são “CARTA DE UM PIRATA”, “CÁRCERE” e “IDENTIDADE (...)”. Realizei como ator e diretor também, “INDIZÍVEL”. E como autor e diretor “DIAS DE ANESTESIA”. Cada uma um mergulho único. Atuei com um grupo de teatro da USP chamado GRUPO DE TEATRO DE LETRAS. Foi incrível e é inesquecível. E se eu disser que em TODAS as apresentações acontece algo inusitado, vocês acreditariam?
6 – Você também é diretor. Há alguma diferença para o ator quando ele passa “para o outro lado”? Ser também diretor acrescenta algo ao ator ou indefere?
Resposta: Adoro dirigir atores e atrizes em cena. Trabalho isso nas oficinas ATOR INCONFORMADO que costumo realizar pelo país. Minha direção é muito "olho no olho". Tem diretor que prefere olhar pra cena e não para o ator. E tem diretor que olha para o ator e não olha pra cena. Tenho prazer nos dois. O tempo com as turnês tem me inviabilizado de dirigir, mas estou com dois projetos de direção em andamento.
7 – Aliás, de onde surgiu a vontade de dirigir? Quais os grandes desafios que um diretor de teatro tem de enfrentar?
Resposta: O grande desafio é pessoal. Cada diretor se coloca um desafio. Que basicamente é realizar a concepção que ele tem na cabeça. E são tantas concepções possíveis. Infindáveis. É por isso que gosto de ver o trabalho de outros diretores. Cada um com um mundo, uma crença, uma verdade. Alguns com verdades absolutas, se levam tão a sério que é engraçado. De modo que não existe um desafio, cada peça é um novo desafio, um novo mergulho, uma nova proposta. Um novo mundo novo. Mesmo que reproduzido de outros velhos mundos. Meu desafio sempre é fazer a parada ser viva e acontecer no AQUI AGORA!
8 – Você escreve, dirige e atua ao mesmo tempo (inclusive na peça “Carta de um pirata” – super elogiado pela crítica especializada). Como é trabalhar “com um olho no gato e outro no peixe”? Aliás, falando em críticos, até que ponto a crítica ou o elogio da crítica especializada o afeta?
Resposta: Cara, a crítica não me afeta negativamente nunca. Mesmo a crítica maléfica, ressentida. E eu leio todas. Digo isso porque eu poderia dizer, não me afeta, mas eu também não leio. Mais eu leio! São visões sobre a peça. É assim que encaro. Não como verdades absolutas. E essas visões são pessoais. Entrego desde 2003 para meu público um papelzinho dizendo SUAS IMPRESSÕES SOBRE A PEÇA. Tenho um baú disso, cada comentário que você não faz ideia. Do mais profundo ao mais sexual. Do mais agressivo ao mais emocionado. Se dou essa possibilidade ao público, é sinal que não sofro com comentários, por mais controversos que sejam. Tento entender. E compreender. E como sou diretor, sempre pondero. Uma vez uma crítica conhecida fez uma crítica no jornal O ESTADO DE S.PAULO. Era sobre a peça “CARTA DE UM PIRATA”. Essa jornalista-crítica, coincidentemente, estava em cartaz com um texto dela no mesmo teatro em que eu fazia a peça no CENTRO CULTURAL SÃO PAULO. A peça dela chamava-se BILHETE. A carta aberta que mandei pra ela e para o jornal chamava-se BILHETE DE UM PIRATA. Ela ficou ofendida. E disse que nunca mais assistiria peça minha. E eu achei engraçado. Porque o texto não era agressivo. Era só irônico. Ela não tolerou minhas críticas a peça dela. E eu o fiz porque achei que a crítica dela havia sido superficial.
9 – Com sua visão de autor e diretor, você acha melhor trabalhar com peças com roteiro original ou adaptado? Há grandes diferenças entre ambas? Há alguma predileção sua por uma ou outra?
Resposta: Cara, depende da sua necessidade do momento. Como disse o mestre Peter Brook, é preciso fazer o que você acha necessário fazer. É por isso que há tanta paixão na parada. É preciso acreditar. A não ser que você seja um mero contratado. Como eu faço as peças que escolho fazer, paixão é o que move.
10 – Imagino, apesar de sua notoriedade no meio artístico, que suas peças tiveram de procurar verba na iniciativa privada para suas produções. Qual é o grande desafio para se montar um espetáculo hoje em dia no Brasil?
Resposta: Isso. A Lei Rouanet como está é feita para o Antonio Fagundes. Que tem um grande nome graças a televisão. Não ao teatro. E olha que ele é também um grande cara de teatro. Mas se ele tem esse nome é graças a TV. E o modo como a lei existe, ela é feita para as empresas veicularem o nome a esses nomes, não ao teatro ou a arte. Enfim, é tudo luta. Dilma poderia olhar pra cultura com a mesma atenção que olha para outras áreas. Nossa Ministra da Cultura só tem sobrenome. E as prefeituras e governos pensam também em cultura como algo aleatório. As pessoas sabem a importância que tem. E devem se posicionar nesse sentido.
11 - Você viajou de norte a sul de nosso país com suas peças. Diga-nos quais as grandes dificuldades para se fazer arte que você notou em cada região do Brasil? Nas suas vindas aqui ao estado quais pontos fortes – e fracos – você notou na arte capixaba?
Resposta: A dificuldade é em canto a canto do país. E os grandes artistas estão fazendo seus grandes trabalhos em cada canto. Muita gente desiste. Mas muita gente surge. É o ciclo. E continuamos. Eu continuo. A arte capixaba é a arte brasileira. Sou de Sampa, metrópole com pessoas de todos os cantos, talvez por isso tenha dificuldade de identificar uma arte baiana ou alagoana ou capixaba. É arte brasileira. Ao menos eu vejo assim.
12 – Gostaria que você nos falasse mais acerca de seus dois livros de contos (“Trabalhadores de Domingo” e “Essas Moças Que Me Causam Vertigens”). De onde veio à inspiração para criar as estórias? Você ainda transpassou o roteiro de “Cárcere” para outro livro não foi?
Resposta: “Trabalhadores de Domingo” eu lancei aos 22 anos. Pensei que com o tempo iria renegar o livro, mas continuo dizendo que ele é meu. Devo lançar uma nova edição em breve. “Essas Moças...” eu deveria lançar o volume dois focado nas capixabas. Que causam vertigens. Esse ano devo lançar o novo livro de contos. E o “CÁRCERE” também vou fazer nova edição, porque a peça continua na estrada.
13 – Você autuou como performista em apresentações do Teatro Mágico. Confere? Como foi essa experiência?
Resposta: O público do Teatro Mágico participa dos shows de uma forma tão intensa que fico em êxtase só de lembrar. Fiz participações em shows quando estava com a peça na mesma cidade que a trupe. Participei dos primeiros shows da trupe, no começo. Aí anos depois rolou o reencontro. Participei de shows em Salvador, Vitória, Juiz de Fora, Osasco, São Paulo. Estou no DVD “SÓ PARA RAROS” com uma performance num show em São Paulo para cinco mil pessoas.
14 – Como podemos saber mais sobre o Vinícius Piedade? Você tem algum site oficial, Facebook, Blog?
Resposta: www.viniciuspiedade.com.br e http://www.facebook.com/vinicius.piedade
15 – Quais seus próximos projetos? O que tem mais de Vinícius Piedade para 2012?
Resposta: Ensaio do novo solo “PAPILLON - O HOMEM QUE FIGIU DO INFERNO” (trilogia cárcere parte II) que vai estrear em janeiro de 2013 na Guiana Francesa, no próprio presídio de onde ele fugiu! Essa é em primeira mão para o Blog Outros 300!