Paulo Roberto Sodré nasceu em Vitória-ES em 1962, onde fez todos os seus estudos, formando-se em Letras-Inglês pela UFES em 1986. Possui mestrado em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor de Literatura Portuguesa na UFES. Entre suas principais obras, podemos citar: “Interiores” (1984) “Ominho” (1986), “Lhecídio” (1989), “Dos olhos, das mãos, dos dentes” (1992), entre outros. Agora, ele lança “Poemas Desconcertantes seguidos de Senhor Branco ou o Indesejado das Gentes”, uma compilação de cinco livros. O lançamento será na próxima quinta-feira, 19, às 19 horas, na Biblioteca Pública Estadual. Confira, abaixo, a entrevista com o autor:
1 – Sodré, você é extremamente competente e bem sucedido no campo das Letras, seja como professor ou escritor, o que nos suscita uma “simples” dúvida: Como é que surge um Paulo Roberto Sodré? Como foi construído todo o seu saber em relação às Letras?
Resposta: Fico grato ao cumprimento mais que gentil, mas não acho que sou “extremamente competente e bem sucedido no campo das Letras, seja como professor ou escritor”. Estou longe disso, certamente; e não estou sendo modesto (meus inúmeros limites dormem e acordam comigo todos os dias, fielmente).
Gosto muito do trabalho docente na UFES, o que gera em mim uma busca e uma tentativa, nem sempre bem logradas (porque os limites estão sempre a nos atrapalhar), de fazê-lo da melhor maneira possível.
2 – Que dica você nos dá para melhorarmos enquanto apreciadores das coisas de nossa língua? Quais livros te marcaram e que você acha que pode nos acrescentar algo? Quais escritores você nos indica?
Resposta: Parto do princípio de que uma pessoa, um(a) leitor(a) ou um(a) escritor(a) é marcado(a), antes, por seu temperamento que, em relação a tudo, conduz as escolhas. O meu é contornado por uma dupla afeição: pela literatura e pelas artes plásticas. Procurando conciliar essas duas tendências de gosto, acabei me interessando por livros que me dessem o prazer do texto verbal aproximado do visual. José Lins do Rego, Autran Dourado e Guimarães Rosa sempre me impressionaram muito pela consistência visual de suas narrativas densamente elaboradas; Cecília Meireles, García Lorca e Fernando Pessoa (do Cancioneiro), principalmente, me instigaram a pensar na poesia como desenhos sonoros, em que, sob a impressão de uma paisagem subitamente percebida ou adivinhada no cotidiano, estivesse o sentido de uma reflexão.
Indicar escritores e obras, portanto, pode resultar inócuo, uma vez que cada pessoa, seu temperamento e seu instante íntimo é que farão as escolhas necessárias e inevitáveis, pertinentes ao momento específico de uma vivência, de um período, constituindo aos poucos seu repertório de percepções e prazeres literários.
3 – Lendo sua relação de livros publicados, percebemos sempre, como complemento, a frase “publicados e esgotados”. Esgotar uma tiragem de livros publicados no país, e mais especificamente no estado do Espírito Santo, é mérito para pouquíssimos. Então, diga-nos: Qual foi o seu segredo?
Resposta: As edições esgotadas, no meu caso, não equivalem a sucesso ou prestígio de mercado de livros. Trata-se de circunstâncias específicas que implicaram tiragens pequenas (o caso de “De Ulisses a Telêmacos”) ou comprometidas institucionalmente (o caso de “Senhor Branco ou o indesejado das gentes”, cuja tiragem também reduzida, resultado de um prêmio da Secretaria Estadual de Cultura [Secult-ES], foi distribuída para as bibliotecas públicas municipais, como prevê o contrato editorial da Secretaria). Assim, não há segredos (meus) para esgotar tiragens (risos).
4 – Por que o brasileiro ainda consome tão pouca literatura? O que poderíamos fazer para mudar esse panorama?
Resposta: Como exposto na resposta anterior, meus livros não foram objetos de grandes vendagens; ao contrário, foram distribuídos e, devido à pequena tiragem, logo ficaram indisponíveis, exceto nas bibliotecas dos amigos, nas públicas do estado e, eventualmente, nos sebos.
O fato de o brasileiro ler pouco é tema polêmico e espinhoso, demandando argumentos e arrazoados desenvolvidos; para o propósito desta entrevista breve, penso que a situação se deveria talvez à pouca educação letrada das famílias e ao atrelamento pernicioso do texto literário (e artístico) a tarefas escolares, em geral, pouco simpáticas, pouco atraentes e pouco eficazes.
5 – Um desses seus lançamentos que se esgotaram foi o “Senhor Branco ou o Indesejado das Gentes” que será relançado nesta quinta-feira 19, às 19 horas, na Biblioteca Pública Estadual. Gostaria que você nos falasse um pouco acerca dessa obra. Segundo sua opinião porque “Senhor Branco...” fez tanto sucesso?
Resposta: Sucesso é uma palavra esquisita para a repercussão de um livro como “Senhor Branco”. Não tenho ideia de quantos o leram, e de sua recepção, embora uma e outra pessoa me tenha dito que gostou dos poemas nele inscritos.
O livro reflete sobre a morte – inspirado na tradição literária voltada para esse tema (Hélinand de Froidmond, Manuel Bandeira e Hilda Hilst, sobretudo) – por um viés que deixa em segundo plano – sem desprezá-los – o peso, o desespero e a violência que envolve essa ideia de perda. Ao mudar a figura que a alegoriza – em vez de uma pessoa medonha, “desenho” um rapaz encantador a cumprir sua tarefa de ceifador –, procurei matizar a terrível experiência da morte com versos que a tomam como um passo natural para fora da vida, como o desprender-se do galho de um fruto farto de madureza.
Talvez essa demanda de leveza no tratamento de assunto tão desagradável tenha chamado a atenção de alguns leitores.
6 - “Senhor Branco ou o Indesejado das Gentes” fará parte dos livros que serão cobrados para o vestibular da UFES, o que fatalmente irá aumentar o número de pessoas que lerão sua obra. Você acha que essa “obrigatoriedade” ajuda, atrapalha ou indefere na construção de novos leitores e, mais especificamente, construirá novos fãs desses autores exigidos?
Resposta: No que diz respeito à recepção de um livro, em geral, toda estratégia está inevitavelmente à mercê do imprevisível e fadada à oscilação da aceitação, da indiferença e da rejeição, por maior que seja o empenho das editoras. Decerto, a obrigatoriedade da leitura de livros de literatura num concurso marcado pela agonia de expectativas – cujo oásis talvez seja a objetividade desejável de um raciocínio para uma resposta certa na hora tensa da prova –, e o aspecto subjetivo e ambíguo de um livro de poemas arranham a tranquilidade e a certeza de leitores(as), podendo causar, mais presumivelmente, sua rejeição, já que estão preocupado(a)s com o aproveitamento exato e preciso desse tipo de livro.
Por outro lado, na busca aflita de acertos de cálculos e dados, a passagem por textos que conduzam o(a) leitor(a) a paisagens menos precisas e exatas pode ser um percurso alternativo e prazeroso... Parece-me que não há como prever, assim, o grau de recusa e de aceitação de um livro como esse.
Espero, de toda maneira, que o livro tenha a sorte de chegar na hora certa para cada uma das centenas de pessoas que o encontrarão por acaso.
7 – Sodré, você deve ter tido acesso a muitos jovens escritores – e ter dado aula a muito deles também – que te fizeram essa pergunta que refarei agora: Qual dica você dá a quem está começando a carreira de escritor?
Resposta: Sem dúvida: muita leitura; muita reescritura e muita releitura.
8 – Aliás, como você vê o atual mercado literário brasileiro, e mais, especialmente, o daqui? Estamos bem servidos de novos escritores?
Resposta: Não acompanho mais discussões e notícias do mercado literário, sempre misterioso para mim; creio que isso é para editores e empresários. Cabe-me escrever, o que, sabe-se, não é pouco.
Sim, estamos bem servidos de bons e excelentes novos escritores.
9 – O governo do estado e as prefeituras têm aberto um valioso espaço aos novos escritores através de leis de incentivo a cultura. O que você acha de tais leis? Por que será que a iniciativa privada também não “abraça a causa”?
Resposta: Parece-me que as leis de incentivo cultural têm dado resultados muito bons, uma vez que motiva, orienta, promove, premia e divulga a cultura nos quatro cantos do Espírito Santo. Isso é formidável.
10 – Vivemos uma época em que livros de auto-ajuda e de vampiros tem se alastrado aos montes em livrarias e bibliotecas em detrimentos aos livros de contos, crônicas e poesias. O que você acha de tal fenômeno? Como professor, o que você tem percebido em nossos novos leitores: O acesso restrito a este tipo de literatura tem feito bem ou mal a eles? É possível acreditar que a leitura de livros de vampiros é pertinente a idade e que é um trampolim a leituras mais densas ou este é um fenômeno possivelmente duradouro e perigoso aos nossos futuros leitores?
Resposta: Procuro não idealizar leitura, literatura nem leitores. Tenho percebido que cada um(a) lê aquilo que, em certo momento da sensibilidade, da maturidade e da experiência pessoal, lhe acende o desejo de conhecer. Embora concorde com a ideia de que gosto seja discutível, não posso deixar de considerar que cada pessoa tem seu tempo próprio para perceber a imensa variedade e a diversa qualidade dos produtos culturais à disposição. Com a leitura não é diferente. Há tempo para vampiros, feiticeiros, magos, e há tempo para Ulisses, Laura, Quixote, Emma, Brás Cubas, Diadorim...
11 – O Outros 300 tem aberto espaço à divulgação de eventos artísticos do estado. O que você acha do uso da internet como meio de divulgação (direta e indireta) de arte?
Resposta: Parabenizando o “Outros 300” pelo trabalho de promoção e difusão de eventos culturais capixabas, acho que é fundamental, sem dúvida, o uso da internet e das redes sociais na sua divulgação.
12 – Sodré, estaremos todos na próxima quinta-feira, 19, às 19 horas, na Biblioteca Pública Estadual para o relançamento de “Senhor Branco ou o Indesejado das Gentes”. Agora, adiante-nos em primeira mão: O que mais podemos esperar de Paulo Roberto Sodré para 2012? Tem alguma pretensão de lançar algo ainda este ano? Tem livro novo a caminho?
Resposta: Como escrevi no prólogo dos “Poemas desconcertantes”, esvaziei as gavetas, o que é um alívio (risos). Algumas ideias, entretanto, começam a ganhar contornos, mas estes estão ainda pouco nítidos. O tema da viagem continua a me impressionar, e talvez me dê alguns poemas a mais, não sei se para um livro inteiro. Aventuro-me, aliás, na narrativa (um retorno à experiência de oficina literária de textos narrativos, nos anos de 1980, que abandonei completamente, e que agora procuro recuperar), mas não sei se assumirei a empreitada arriscada. A ver.
Resta-me agora agradecer muito a lembrança e o apoio generosos do Blog Outros 300 na divulgação de meu trabalho. Conto, então, com a presença de vocês e a de seus seguidores no lançamento. Até lá.