Anaximandro Amorim (1978) é escritor, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho da 17ª Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de Francês do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura, da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de Campos, de Vila Velha/ES. Confira, abaixo, a crônica “Meu primeiro carro":
MEU PRIMEIRO CARRO
Como presente por ter passado no vestibular, ganhei do meu pai um carro, um Ford Escort L 1.6 1989 cinza-metálico a gasolina, muito bonito por sinal e que até chamava atenção por onde passava. Apelidei-o de “Anaxmóvel”. Meu intuito era conservá-lo comigo “para sempre”. Ledo engano: aquilo foi o melhor exemplo das “duas alegrias” (uma quando compra, outra quando vende). Meu pai que o disse: “vamos comprar um carro mais simples porque você está aprendendo a dirigir”. Sábias palavras...
Lembro-me que uma das primeiras coisas que fiz foi quebrar tanto o para-choque dianteiro quanto o traseiro; também ralei os retrovisores na parede da garagem da casa em que morávamos, saindo de marcha-à-ré; por fim, cheguei a vomitar dentro dele, por conta de um almoço que não caiu muito bem no estômago, depois de assistir a uma audiência de um professor magistrado, no interior do Estado. E assim fui “sambando” o bichinho que, se pudesse falar, teria muita história para contar.
Aliás, “sambei” tanto o carro que, como forma de se vingar de mim, misteriosamente, ele começou a não querer mais pegar. O motor ainda era carburado e eu, inexperiente e “duro como coco”, não sabia como dar a manutenção correta. Resultado: começamos a “baixar” oficina que, para piorar, não era a que meu pai me indicou. Mas disso só fui saber depois, uma vez que eu me enganei de estabelecimento e pus o carro em outro, diverso do que meu pai havia aconselhado, muito pior e que, creio eu, acabou de acabar com o motor do meu moribundo carrinho.
De cinza-metálico, ele foi ficando desbotado até que a pintura começou a queimar toda, deixando-lhe com um aspecto horrível! O som, super moderno para a época – até dispunha de uma sensual voz feminina sintetizada, que respondia aos comandos – começava a falhar, de forma que era só pôr o veículo no piso acidentado da Ufes que o leitor “cuspia” o CD, no meio da canção; e o pior de tudo: o carro só dava partida com o afogador ligado e com a luz do motor acesa, o que fazia meu Escort sedento! Nem os R$ 50,00 que ganhava para o combustível davam para o começo (lembrando que, nos primórdios do Plano Real, cinquenta reais era dinheiro pra caramba!); além de me fazer chegar aos lugares com um repugnante cheiro de gasolina!
A gota d’água foi o dia em que tentei pôr o carro para andar e nem com afogador puxado ele saiu do lugar! Acelerava, acelerava, acelerava... e a única coisa que se movia era o ponteiro do combustível, para baixo, obviamente. Resultado: tive de ir para a aula a pé, com todos aqueles pesados livros de direito e códigos nas mãos. Ao chegar à minha sala, suado e desesperado, tive um surto de cólera e comecei a chutar as carteiras, o que fez com que uma colega que sempre se sentava do meu lado puxasse a dela para bem longe de mim! “Já sei: o Anaxmóvel pifou de novo”, disse e, para completar meu dia, outro exclamou: “o Anaxmóvel é uma bomba!” De fato... pena que quem explodia era eu, e não o carro. A situação ficou tão insustentável que não havia outra maneira senão vender o “possante”. E assim foi, para meu espanto, tão rápido que nem eu mesmo acreditei!
Não sei mais o que foi feito do “Anaxmóvel”. Nunca mais o vi na rua – e, se o visse, até trocaria de faixa! Foi com ele que aprendi que carro bom é o carro novo e que manter um carro “para sempre”, só em miniatura. Mas, confesso, tenho saudade, pois me lembro, com certa nostalgia, das idas para a faculdade, do transporte dos colegas e da primeira verdadeira sensação de liberdade que senti na minha vida. Infelizmente, vestígios dele só numa foto, muito mal-tirada, por sinal, pelo meu irmão, de contra o sol da tarde, que sumiu. E esta singela crônica, dedicada ao meu primeiro carrinho que, apesar dos pesares, a tantos lugares me levou.