LICENÇA CRÔNICA: ANTONIO ROCHA NETO
Cultura

LICENÇA CRÔNICA: ANTONIO ROCHA NETO




Antonio Rocha Neto é economista, cronista, filósofo e membro da Academia de Letras Humberto de Campos (Vila Velha). Confira, abaixo, a crônica “Baratas":

BARATAS

Lugar para dar barata igual àquele bairro ele estava para conhecer.  Já havia dedetizado a casa quatro vezes no período de um ano, e nada.  A coisa lá era tão feia que nenhuma firma dava garantia do serviço naquela região.  Já tinha apelado até para uma novena para Nossa Senhora da Penha, mas chegou à conclusão de que naquele caso ali nem “noventena” daria solução.
Para você Ter uma idéia da gravidade da situação, devido à infestação de baratas no bairro um aluguel ali era, em média, cinco vezes menor que em qualquer bairro similar da cidade.  Em resumo:  até as casas ali eram baratas!

A pracinha do bairro logo ganhou o apelido de “Praça Barata Ribeiro”, plagiando uma rua de Copacabana, e o boteco mais popular do pedaço tinha o nome de BAR ATA:  ou se levava a coisa na esportiva ou se mudava do bairro.  Só que mudar não era coisa assim tão simples não:  onde encontrar na cidade, e com o perdão do trocadilho, uma vida mais barata que ali?
O bairro tinha quase de tudo, faltava muito pouca coisa (tinha coisa que tinha até demais!).  O que mais fazia falta  mesmo era umas lanchonetes e ao menos um restaurante.  Bem que já haviam tentado:  o  “Seu”  Miguel mesmo teve, por uns meses, um restaurantezinho onde a comida até que era boazinha, ....... mas barata!

Bom, vida de preso não é nada boa, você sabe né (quer dizer, você imagina né?).  Mas, pelo menos, a penitenciária ficava bem longe do bairro dele, e apesar de a higiene por lá não ser lá essas coisas (ou a higiene por ali não ser por ali essas coisas, ou ainda a higiene por aquelas bandas não ser por aquelas bandas essas coisas) via muito pouca barata.  Tinha até dia em que não via nenhuma!  Mas quando via alguma ficava alucinado:  perseguia a bichinha com o chinelo em riste até dar cabo da danada!  Era uma coisa meio anormal, meio obsessiva, seqüela, sem dúvida, do episódio que culminou com sua prisão, e que passo a lhes contar agora.

Foi assim:  naquele dia acordou cedo, como de costume, matou uma barata que estava passeando pelo seu quarto, tomou café e, após a chegada da faxineira, saiu para o trabalho.  Trabalhava no Baratão dos Tecidos.  Acontece que a faxineira havia brigado com o marido na noite anterior.  Briga feita, muito feia mesmo.  Tão feia que o infeliz  “não deixou barato” e resolveu matá-la, fazendo o serviço justo na casa do nosso amigo, atirando o corpo da coitada na cama do coitado.

Na hora do almoço nosso amigo encontrou o Sargento Almeida quando estava indo para casa, a quem oferecera, a poucos dias, uns dolarezinhos.  O Sargento decidira ficar com a grana e quis acompanhá-lo até em casa para fecharem o negócio.  Ele, como achava aquele cara um chato irrecuperável, tentou dissuadí-lo da idéia.  Propôs mil e uma alternativas, mas nada:  o sujeito queria ir à casa dele de qualquer jeito;  e foi.  Coisa de chato mesmo!
Ao abrir a porta de casa foi logo arrancando o sapato e matando umas quatro baratas (uma voadora!).  Uma correu para o quarto e o Sargento foi atrás.  Daí a pouco volta, transtornado.  Ele pergunta:
- E aí Almeida, achou alguma?
- Tem uma morta na sua cama.  Como é que o senhor me explica isso?
- Ah, fui eu que matei hoje de manhã.  Se bem que eu matei foi no chão.  Vai ver a nojenta se fingiu de morta e, depois que eu saí de casa, se arrastou até à cama!




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