LUIZ GONZAGA 100 ANOS: O NORDESTE NO FOLE DA SANFONA
Cultura

LUIZ GONZAGA 100 ANOS: O NORDESTE NO FOLE DA SANFONA



Especialista aponta como Luiz Gonzaga levou a cultura nordestina para o Brasil e o mundo


Em 13 de dezembro de 1912, nascia Luiz Gonzaga, o rei do baião. Gonzagão foi sanfoneiro, cantor, compositor e principal responsável pela valorização dos ritmos nordestinos no século XX. Foi ele quem simbolizou o que há de melhor na música nordestina, e primeiro artista a assumir sua nordestinidade (representada pela a sanfona e pelo chapéu de couro). Cantou as dores e os amores de um povo que não possuía voz. Após se transferir para o Rio de Janeiro em 1939 e passar a se apresentar em bares e cabarés, participa do programa de Calouros da Rádio Tupi (de Ary Barroso) e ganha o primeiro lugar, com a música "Vira e Mexe", o qual tinha influências das canções nordestinas. Luiz até então só tocava tangos e fados, mas após ouvir um conselho de um amigo para apresentar as boas criações do distante nordeste, compõe dois clássicos: "No meu pé de Serra" e "Vira e Mexe". O prêmio da rádio abriu caminho para que pudesse vir a ser contratado pela emissora Nacional, é descoberto e levado pela gravadora RCA Vitor para gravar seu primeiro disco. O sucesso foi rápido, vários outros discos foram gravados, mas só em 11 de abril de 1945 grava seu primeiro disco como sanfoneiro e cantor, com a música "Dança Mariquinha". O êxito continuou, Luiz Gonzaga dominou o mercado fonográfico brasileiro das décadas de 40 e 50.



Costumes



No livro “Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga” (1996), de Dominique Dreyfus, Gonzaga revelou: “Eu queria cantar o Nordeste. Eu tinha a música, tinha o tema. O que eu não sabia era continuar. Eu precisava de um poeta para escrever aquilo que eu tinha na cabeça, de um homem culto para ensinar as coisas que eu não sabia. Eu sempre fui um bom ouvidor. Cheguei até a enganar que era culto!”. Para representar o povo do nordeste, mostrar sua vida, seus costumes e sua variedade lingüística, Gonzagão se juntou, primeiramente, ao advogado, deputado federal e compositor cearense Humberto Teixeira, e, logo depois, ao compositor, poeta e folclorista pernambucano Zé Dantas. Formado advogado, Humberto Teixeira preferiu trabalhar com música. O sucesso logo viria quando foi chamado por Gonzaga para seu projeto de popularizar a cultura nordestina no Rio de Janeiro. Em pouco tempo, os dois já era conhecidos como rei e doutor do Baião, ritmo que se tornou fenômeno em todo o Brasil e no mundo. Com o Mestre Lua, compôs vários clássicos, tais como “Baião”, “Asa branca” “Assum preto”, “Juazeiro”, “Paraíba”, “Qui nem jiló, “Respeita Januário” e “No meu pé de serra”.

Já Zé Dantas, homem tímido, mostrou suas composições ao ilustre Gonzagão ao conhecê-lo. O Rei do Baião, entusiasmado, aprendeu algumas músicas e prometeu gravá-las. Na década de 50, Dantas vai residir no Rio de Janeiro. Nesse período, atinge o ápice da parceria com Luiz Gonzaga, passando a obter lucros com o sucesso de suas canções. Zé Dantas deixou um amplo e considerável cancioneiro que contribuiu para o grandioso sucesso de Luiz Gonzaga. Suas parcerias são verdadeiros clássicos da música popular brasileira, como “Vem Morena”, “Acauã”, “Riacho do Navio”, “A Volta da Asa Branca”, “O Xote das meninas” e “Sabiá”. Destarte, ambas as parcerias popularizaram o baião e influenciam muitos músicos da música popular brasileira, entre eles: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Belchior, Sivuca, Dominguinhos, Fagner, Zé Ramalho, Raul Seixas, Elba Ramanho, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Zeca Baleiro, entre outros.



O baião, em 1950, já era um ritmo conhecido de leste a oeste. Era 'A dança da moda', vide o título do baião de Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Ademais, o ritmo atravessou as fronteiras da pátria e ganhou o mundo. Hollywood foi o primeiro a se encantar pelo brilho da dança brasileira, no filme “Nancy Goes to Rio" (“Romance Carioca”), o standart “Baião” (mesmo estrupiado) já aparecia, e alguns países da América Latina e Portugal contagiavam-se, também, pelo toque pau-de-arara. Em 1956, a cantora japonesa Keiko Ikuta gravou as músicas “Baião de dois” e “Paraíba”, aqui mesmo no Brasil, com acompanhamento do próprio Luiz Gonzaga e seu conjunto. Tudo isso foi a consagração mundial do baião, de Luiz Gonzaga e da música brasileira, nem mesmo o samba havia chegado tão longe, conforme revela Assis Ângelo: “O baião ganhou o mundo com a pureza das armas da terra: sanfona, triângulo e zabumba”.

O grupo brasileiro "Forro in the Dark", formado por músicos residentes em Nova York, gravou em 2006 o cd "Bonfires of São João", que traz David Byrne, vocalista da banda Talking Heads, interpretando "Asa Branca". Byrne tem uma relação muito grande com a música brasileira e também faz uma participação no documentário sobre a vida e obra de Humberto Teixeira, "O homem que engarrafava nuvens".



Asa branca



A história mais interessante e pitoresca envolvendo a figura de Luiz Gonzaga foi a de que o grupo britânico The Beatles gravaria “Asa branca”.  Nos anos 60, o Velho Lua andava um tanto apagado. O povo só queria ouvir Jovem Guarda e Tropicália. E, claro, o quarteto inglês. Como não poderia deixar de ser, a novidade atiçou a imprensa. Foi entrevista para todas as mídias, convites para shows, polêmica nas rodas de conversas, porém, os rapazes de Liverpool não estavam entre os intérpretes da canção. A história não passava de fantasia de Carlos Imperial. O fato é que a canção ficou conhecida a partir da gravação de Gonzagão e as de outros 310 intérpretes. Até um grego, Demis Roussos, gravou uma versão de “Asa Branca”, chamada de “White Wings”. O roqueiro brasileiro Raul Seixas também fez uma versão em inglês para “Asa branca” (“White wings”). A canção, composta em parceria com Humberto Teixeira, se transformou no hino do nordeste.

O rei do baião faleceu no dia 2 de agosto de 1989. No entanto, seu legado é imenso e eterno. O Mestre Lua, por sua criatividade, tem lugar cativo na música popular brasileira. Na mais renomada biografia “Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga” (1996), de Dominique Dreyfus, Gonzaga ponderou:  “Gostaria que lembrassem que sou filho de Januário e dona Santana. Gostaria que lembrassem muito de mim; que esse sanfoneiro amou muito seu povo, o Sertão. Decantou as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes. Decantou os valentes, os covardes e também o amor”.



***



Saudades do Mestre Lua


Luiz Gonzaga teve influência forte e marcante para vários artistas da música popular brasileira e da cultura em geral. Seguem alguns depoimentos famosos sobre o Rei do Baião:



"É assim a música - não só a letra - de Luiz Gonzaga. Ela identifica a geografia física e humana do Nordeste de um modo flagrante e definitivo como um signo, que provoca o reconhecimento tácito por si mesmo evidente. É a evidência do inconsciente coletivo, um padrão arquétipo.

Por isso que a gente fala em raiz quando ouve Luiz Gonzaga. Por isso que a gente ousa empregar até essa palavra terrível: telúrico. Luiz Gonzaga é telúrico. Está na terra de nossa alma, da alma do nosso povo. É eterno."

(Nelson Xavier - ator, autor e diretor brasileiro. Depoimento contido no encarte do disco "Luiz Gonzaga - 50 Anos de Chão")



"Ele sempre batalhou muito para que a nossa voz fosse ouvida. É o Mestre Maior. Pelo trabalho que fizemos juntos, apenas por aqueles momentos maravilhosos, já me sinto gratificado pela profissão que escolhi. "

(Raimundo Fagner - cantor. Depoimento contido no encarte do disco "Luiz Gonzaga - 50 Anos de Chão")



"Dentre aqueles gêneros diretamente criados a partir da matriz folclórica, está o Baião e toda a sua família. E da família do baião Luiz Gonzaga foi o pai. Seu nome se inscreve na galeria dos grandes inventores da música popular brasileira, como aquele que, graças a uma imaginativa e inteligente utilização de células rítmicas extraídas do pipocar dos fogos, de moléculas melódicas tiradas da cantoria lúdica ou religiosa do povo caatingueiro, e, sobretudo da alquímica associação com o talento poético e musical de alguns nativos nordestinos emigrantes como ele, veio a inventar um gênero musical. Eu, como discípulo e devoto apaixonado do grande mestre do Araripe, associo-me às eternas homenagens que a História continuada prestará ao nosso Rei do Baião."

(Gilberto Gil - cantor e compositor. Prefácio do livro "Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga", de Dominique Dreyfus)



"O mais importante artista criador que esteve na sustentação da música popular nordestina. Ele foi essa figura que, sem atentar muito para isso, deixou uma imensa obra para seguir e aprender para que ele continue sendo lembrado e sua herança jamais se perca."

(Dominguinhos - cantor, compositor e instrumentista em entrevista a André Dib, no Diário de Pernambuco)



"Enquanto Presley foi o "Cavalo de Tróia" da negritude num país racista, Gonzaga colocou o Nordeste, com sua cultura refinada e seus costumes peculiares, no mapa da MPB. Era um momento de urbanização do sudeste, em que nordestino era encarado como peão de obra, cabeça chata, ser inferior. O Rei do Baião desvelou a diversificada cultura deste povo, então encarado de forma pejorativa. Está entre os maiores de todos, os fundadores de escolas: Pixinguinha, Noel Rosa, Dorival Caymmi, Tom Jobim - e não muitos mais."

(Tárik de Souza - jornalista e crítico musical em entrevista a Cristiano Bastos, no site Rolling Stone Brasil)



(Texto de Ricardo Salvalaio publicado no Caderno Pensar, do Jornal A Gazeta, no dia 08/12/2012)





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