Achava um desrespeito. Nem seu nome os parentes sabiam. E ela mesma o esquecera, faz tempo – pensou contrariada. Talvez se chamasse Maria. Houve tantas marias na família. Afinal, era uma família de extrema devoção e piedade.
- Aquela é a tia – a família apontava.
No retrato, tirado pouco antes da morte do noivo, ela estava sentada com o vestido branco de cassa que a tornava mais jovem, olhava para as mãos e sorria. O fotógrafo retocou-lhe os lábios com uma cor de carmim. A família achou extravagância. Mas o noivo gostou.
Além do retrato, que quase foi tirado de cima da cômoda e posto no lixo, felizmente a irmã não consentiu que mudassem tudo em seu quarto. Isso foi há um ano, quando todos enlouquecidamente empreenderam a reforma da casa.
Ficaram os vitrais da janela, as mesmas tábuas largas de pinho. Porém não havia mais as rosas de organza, o tapetinho da Pérsia, as solitárias azuis de cristal. Nem mesmo deixaram o piano de dentes lavados. As sobrinhas se diziam modernas. Com uma agilidade de gatos-do-mato as sobrinhas iam se desfazendo de todas as coisas que achavam antigas. Ela mesma, agora, estava confinada em seu canto.
Por mais que não quisesse, sentia-se um traste. Muito devagarinho, cada dia um pouquinho, ia se descosendo dos seus.
E como era aborrecido aparecer na sala do almoço! O cachorro se punha a rosnar, os talheres começavam a bater, o caçula desandava a berrar escondendo as bochechas no prato. Boiava um constrangimento pelo rosto de todos. Até que a sobrinha mais velha implorava ao cachorro: pelo amor de Deus, fique quieto.
Então ela voltava ao quarto. Abria o armário. Se vestia no vestido de cassa que a tornava muitos anos mais moça. No retrato, fitava as mãos que sonharam a aliança e ali, entre os vitrais e as tábuas de pinho, mais uma vez tentava se lembrar de seu nome.