Fabrício Fernandes é autor do livro-reportagem Rosa Helena – Para além da folha de vento (Editora da Universidade Federal do Espírito Santo - Edufes). Também produziu a noveleta O Concurso – A caminho-do-azul-cintilante-majestoso (Editora Encanto das Letras), publicada inicialmente numa coluna literária do Jornal de Brasília. Hoje, escreve o primeiro romance, intitulado provisoriamente O eu sem lastros. Além disso, disponibiliza o livro de microcontos Quitinete (independente) pelo blog http://oimpulso.wordpress.com. Formou-se em Jornalismo pela Faesa. Como jornalista, atuou em assessorias de comunicação governamental e empresarial. Fabrício Fernandes também trabalhou como repórter e subeditor do Jornal de Brasília por três anos. Confira, abaixo, a crônica “Pra que serve bússola?”:
Pra que serve bússola?
Se alguém me disser estou morrendo, digo: não preciso de bússola não para me indicar que estou morrendo. E se as janelas gradeadas estão abertas desço pra rua e caio na vida. Sambo até de manhã, por horas a fio. Sacolejo com a mão na cintura até o Sol raiar. No meu carnaval não há passistas nem passantes. Troco de máscaras até a quarta-feira de Cinzas. E daí? Agora o cheiro de cigarro se enfronha por entre os dedos. É fumaça de cigarro e sangue petrificado no nariz se misturando. Mas o ar não é mais seco. É úmido. Cola na pele porque faz calor. Porque vivo perto do mar. Porque entro no mar e quando penso em desaparecer lembro que pouco ou quase nada tenho vivido. Nas madrugadas embriago-me. Meu êxtase gozoso é a errância. O corpo quente, suado.
Os pés latejando. E eu andando gatuno, sorrateiro, com pressa. Tenho pressa, sim. E muita. Ando a beira-mar vendo o porto ao fundo. O navio vai embora. O mar de canal desliza veloz. Tenho pressa de acordar. Pressa de estar vivo antes que morram os caminhos. Lanço-me nas caminhadas sem destino. Vejo jardins escuros, passeios vazios. A boca está muda, os dentes amarelos rangem. Começo a cutucar a vontade de por fim a algo. Fim ao destino. Ao nada. Ao vazio do nada. Enquanto não subo nas embarcações que têm pressa e parto de vez, escuto Dona Ruth lavar as escadas do prédio. Sigo à diante. Carrego comigo esse Eu sem lastros. Acumulo água no céu da boca. Água que escorre pelos dentes, os olhos sem caber dentro da cabeça. E vou contando historinhas. Entrei no mar com meu primo e caí de boca nele. A boca submersa engolindo quase tudo.
Engolindo água salgada de mar; passivamente um peixe vivo entalado na garganta. Um robalo preto, os olhos vergados pra fora. Acho que enquanto estava submerso debaixo d´água começava a mandar pra dentro é um ódio da porra! Mas não odiava o meu primo. Estávamos os dois bem doidos por sacanagem. Acho que agora os ouvidos estão surdos. Então vou arrastar as asas para o mundo. Talvez vagar no sonho até quando quiser acordar. Depois, desaparecer de novo numa onda de pensamentos e perder tudo de vista...