Heloisa Cardoso é estudante de Artes Plásticas (UFES), escreve contos, adora música e cinema. Já publicou textos no site Recanto das Letras. Confira, abaixo, o conto “Setembro”:
SETEMBRO
Três dos homens que passaram por minha vida (por minha alma, pelo meu corpo) nunca me abandonaram completamente.
Por meses meu telefone permanece silencioso, então, quando eu havia fingido esquecer, um deles reaparece.
Augusto narra, angustiado:
- Às vezes me dá um aperto no peito, e acho que vou morrer. Então, eu penso em você e o aperto desaparece… Em outras vezes, penso em você, então o aperto aumenta e me sufoca…
É um pedido de socorro. Uma declaração de amor. Uma declamação.
Eu, que sempre fui muito sensível às palavras as percebo tão sinceras e os acolho.
Todos os homens que escolhi para mim são expressivos, carentes e melancólicos. Nasci um espírito materno, os amo como tal. Incestuosamente, amo aos três.
E eu os acolho, é claro. Permito que aqui fujam do mundo dos problemas, da incapacidade, da limitação… Do mundo que dói, que destrói.
Às vezes passam dois, três dias. Os ofereço meu peito amplo e acolhedor.
Ofereço a eles almoços, jantares. Ofereço-me. Dou-lhes o que comer.
Nunca lhes cobrei nada. Nunca cobrarei.
São três homens que amo. São amigos ainda da época da escola. Todos sabem da relação que mantemos os quatro, mas não conversam sobre mim. Agem como se fosse eu um paraíso secreto, uma ilha distante, um oásis no deserto. Suas esposas são amigas e seus herdeiros participam dos mesmos torneios na escola.
Eu os sinto como meus, apesar de não poder niná-los sempre que precisam. Apesar de não decorar seus cômodos. Não preparar o café da manhã antes do trabalho. Apesar disso eu os sinto de verdade e sinto intensamente.
Nunca os pedi para voltar para casa. Nunca pedi que ficassem. Sempre os deixei livres. Nunca citei os filhos que nunca nasceram ou as lágrimas que derramei por suas ausências. Sempre sorri. Nunca vacilei.
Se os tivesse aceitado nas madrugadas que choraram na borda de meu vestido de veludo magenta pedindo para nunca deixá-los sozinhos, hoje estaria eu fazendo o papel da esposa de um deles. Sendo personagem da parte ruim de uma vida. Teria que escolher um… E isso jamais poderia fazer.
Então escolhi ser aquela que guarda fotos bem escondidas no fundo de caixas de sapatos. Que guarda cartas. Aquela que amarra cada caixa com um laço de cada cor e que espera. Sou aquela que finge que não. Espero ansiosa para fazer meus homens felizes pelo máximo de dias possíveis, pelos dias que eles suportarem viver em sonho. Esforço-me, mas não demonstro. Ajo com doçura e satisfação… Até que eles resolvem ir. E vão. Voltam para seus carros, suas esposas, suas vidas e para as contas a pagar. E quando o mundo os machucar novamente eu ainda estarei aqui, de banho tomado, nunca atendendo no primeiro toque do telefone.
- Sofia, por favor…
E eu os acolho. Mais uma vez os acolho. Sempre acolherei…